- Gênero: Suspense
- Direção: David Pastor, Álex Pastor
- Roteiro: Álex Pastor, David Pastor
- Elenco: Mario Casas, Leonardo Sbaraglia, Georgina Campbell, Diego Calva, Lola Dueñas, Gonzalo de Castro, Naila Schubert, Alejandra Howard, Patrick Criado
- Duração: 106 minutos
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Acabado de ver a primeira parte da saga, Bird Box, existiria uma tendência de retração a esse Bird Box Barcelona, que a Netflix acaba de estrear. Mas vencendo o preconceito e a ideia de que possa se tratar de uma cópia pouco criativa, o que podemos aproveitar dessa nova empreitada é quase tudo. Mais bem resolvido e com um ponto de partida que leva o espectador a uma outra jornada na direção do mesmo apocalipse, não parece que estamos diante de um produto baseado em premissa similar. É como se, em posse de um grande lugar de observação, o que reste na superfície seja uma narrativa que desconstrói o anterior na busca por uma religiosidade que condiz com o que o próprio país representa, uma representação o mais fiel possível da cultura espanhola através dessa temática.
Não faria sentido reproduzir o mesmo trilho de acontecimentos do imenso sucesso de 2018; à disposição do público, temos o mesmo universo que é retratado a partir de um segmento outro. Independente da qualidade final, o que está observado é essa curva estratégica que joga o novo longa para uma discussão mais adulta. Tem a ver com fanatismo religioso na maior parte do tempo, mas não podemos esquecer que Bird Box Barcelona tenta mostrar novos ângulos a respeito do mesmo desesperador evento. A partir de um núcleo criado especialmente para o sentido fílmico, o filme acaba sobrevivendo a um caos que o motiva. Diante de um novo rumo de absoluto apagamento próprio, esse longa trabalha os graus de aceitação para com seus próprios predicados negativos, e como retrabalhar isso – pé ante pé, um dia de cada vez.
O esquema a qual Bird Box Barcelona atende aqui é, além de muito coerente com a gênese da obra, também profundamente conectado com sua geografia. A Espanha é conhecida por sua religiosidade, por como o cristianismo é representado em suas obras, e em como a própria igreja foi difundindo seus valores, muitas vezes por caminhos (e vozes) enviesados. A partir do ponto de vista que é acompanhado pela narrativa aqui, temos uma construção de fanatismo crescente que é fruto da tragédia, mas que já anda caminhando paralelo a sociedade há muito. Com isso, o que deveria ser apenas um filme de realismo fantástico que reflita nosso tempo de epidemias, existe também uma ideia de nascimento de prováveis salvadores que deturpam tanto a mensagem cristã quanto a ideia de salvação mais focada, exatamente a do filme em particular.
Os diretores e roteiristas David e Álex Pastor tem intimidade com o apocalipse, já tendo trabalhado com o tema em Os Últimos Dias e Vírus, então seus nomes eram a escolha ideal para Bird Box Barcelona. Ainda que seu filme anterior tenha sido desastroso, o suspense A Casa também para a Netflix, aqui eles ampliam uma discussão que estava posta no original e não tinha sido aproximada. O universo Bird Box, conforme apresentado no enorme sucesso de cinco anos atrás, abriga inúmeras leituras sobre suas camadas, incluindo os grupos que são apresentados ao público. De maneira inteligente, não estamos assistindo a um simples “e o que aconteceu em outro país?”, mas sim um desdobramento de um desses núcleos não apresentados, e que exatamente se incorpora à natureza do país retratado de maneira orgânica.
Ainda que a apresentação de ambos sigam a mesma estrutura, e isso possa ser lido como um respeitoso signo que está sendo retomado – a experiência de períodos de tempo intercalados e paralelos – em Bird Box Barcelona a ideia se expande para além de sua montagem. O que vemos na nova produção é um avanço na discussão do campo das ideias formais, no que diz respeito à liturgia da obra e de suas possibilidades. Os irmãos autores aqui buscam nos moldes da relação do próprio país com a religião a argamassa que sustenta a narrativa, mostrando um exército de fanáticos que se conecta ao que foi apresentado anteriormente, ainda que de maneira mais tímida. É um debate que avança para apresentar também uma situação que está igualmente apresentada e validada pelo universo da obra, que se torna mais potencializada aqui.
Não se trata de algo que esteja esteticamente muito mais bem acabado, mas que também se observa superior ao que vimos antes. Na prática, os dois Bird Box promovem um campo mais bem utilizado de ideias quando acoplados, do que em separado. Ainda assim, fica a ideia de que uma série talvez fosse ainda mais completa no ato de apresentar toda essa chuva de elementos que ainda se encontram incompletos. Encabeçando a produção, Mario Casas (premiado por Não Matarás) continua em processo de evolução dramática, apresentando aqui um trabalho mais nuançado. É um dos trunfos do novo filme, que ainda não se realiza por completo, contando até com alguns problemas visuais também presentes no anterior – como a falta de contato com o deslanchar da narrativa – mas que sabe compreender que sua inteligência está em se valer do material local para ter fala um pouco mais potente.
Um grande momento
O salto no teleférico