- Gênero: Suspense
- Criador: Norberto López Amado
- Elenco: Verónica Sánchez, Daniel Grao, Jaime Zatarain, Lucía Jiménez, María Isabel Díaz, Ane Gabarain
- Temporadas: 1
- Duração: 50 minutos
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Há algo profundamente revelador em como certos thrillers psicológicos se constroem em torno do trauma feminino, não tanto para explorá-lo com rigor, mas para transformá-lo em produto palatável, esteticamente limpo, envolto em camadas cuidadosamente coreografadas de suspense. Ángela, série espanhola adaptada da produção britânica Angela Black, escancara essa contradição desde os primeiros minutos. A série, protagonizada por Verónica Sánchez, parte do lugar comum: a mulher em situação de violência, presa a um casamento sufocante, que busca libertação. Mas há camadas ocultas no processo, e algumas delas são mais incômodas do que propriamente reveladoras.
É impossível não pensar em como a televisão europeia vem reproduzindo obsessivamente esse modelo de narrativa desde que as minisséries britânicas colonizaram a estética do suspense doméstico. O que Ángela faz é transpor para a paisagem basca o que antes pertencia aos subúrbios britânicos: a casa moderna transformada em prisão emocional, o marido exemplar que esconde um monstro e a fuga que nunca é uma escolha simples. O que há de interessante é como o projeto, embora ancorado num formato reconhecível, tenta conectar a história a uma paisagem local — Bilbao aparece fria, sufocante, não como cartão-postal, mas como eco do enclausuramento da protagonista.
Verónica Sánchez sustenta quase sozinha a tensão da série. Sua interpretação, cheia de pequenos gestos, jamais se rende ao melodrama fácil. Ela constrói a personagem pelo silêncio e pela contenção, o que traz à superfície o desconforto necessário. Mas o roteiro, ao mesmo tempo em que reconhece a importância desse percurso de silenciosa resistência, não escapa das armadilhas de um suspense que precisa a todo custo manipular o espectador. A chegada de Edu (Jaime Zatarain) inaugura a fase do jogo de espelhos, onde tudo é suspeito e ninguém é confiável, e o que poderia ser uma potente análise das estruturas da violência vira um jogo banal.
Há algo sintomático na maneira como Ângela precisa recorrer a truques já vistos para manter a tensão. As reviravoltas se acumulam, o roteiro sacrifica o desenvolvimento orgânico para entregar o efeito rápido, e aos poucos a potência da denúncia vai se dissolvendo. O trauma, que começa como o centro gravitacional da narrativa, vira apenas um pano de fundo para um enredo que se interessa mais pelo susto do que pela complexidade.
Ainda assim, a série tem seus méritos. Existe um cuidado visual na composição da série, o uso inteligente de espaços claustrofóbicos, uma trilha sonora que não subestima o público. Mas é difícil ignorar o fato de que, ao final, ela se rende ao esperado: há o vilão desmascarado em grande estilo, há a justiça tardia, há a catarse oferecida como solução mágica. O que poderia ser uma discussão densa sobre o ciclo da violência doméstica se resolve dentro do esquema já mastigado das narrativas de vingança pessoal.
Mais do que suas virtudes ou suas falhas, o que fica é a constatação de como a televisão segue encontrando na dor feminina uma fonte infindável de exploração dramatúrgica, nem sempre interessada em profundidade. Ángela funciona como entretenimento de tensão, mas tropeça quando se aproxima da ambição de ser algo maior. É menos um retrato contundente da opressão e mais um produto estilizado do trauma, cuidadosamente embalado para consumo rápido. E talvez o maior problema seja exatamente esse.
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