- Gênero: Drama
- Direção: Gil Baroni
- Roteiro: Luiz Bertazzo
- Elenco: Jorge Neto, Laura Haddad, Luis Melo, Otávio Linhares, Sidy Correa, Zeca Cenovicz, Andrei Moscheto, Luiz Carlos Pazello, Fabio Silvestre
- Duração: 85 minutos
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Quando o coletivo Surto & Deslumbramento surgiu, há 10 anos, a cena curta-metragista brasileira deu uma balançada com a visão rasgada a respeito da sexualidade. Rasgada, quero dizer, exposta, aberta, arreganhada mesmo, sobre imagens e temas que as pessoas não estavam (e continuam não estando) dispostas ao debruçamento, por homofobia velada, por falta de compreensão sobre a porrada daquilo, sejam pelos valores cinematográfico-normativos, seja o motivo que for. Em 2015 eles lançaram A Seita, seu único longa dirigido por André Antônio, e particularmente eu vejo bastante desse filme, desse desbunde do coletivo, em Casa Izabel, novo e corajoso longa de Gil Baroni (de Alice Junior).
Cito a coragem não por essa conexão, nem por evidenciar a sigla LGBTQIAPN+ em sua obra, mas por não lidar com essas ferramentas nem da forma que se espera, nem da altura que seu longa anterior tratou. Produtor importante, estando por trás de coisas fundamentais recentes, como Aonde Vão os Pés, Bicha-Bomba e Seremos Ouvidas, Baroni não tem uma carreira prematura, mas em seu longa anterior talvez tenha conseguido uma repercussão ainda não alcançada. Volto a coragem justamente porque Baroni não está sossegado, e Casa Izabel é uma prova definitiva. Seus caminhos aqui são propositalmente tortuosos – ou tortos mesmo – que nos fazem duvidar da experiência durante alguma parte da projeção; um ovni desconcertado demais.
Mas todos os objetos não-identificados provocam atração sem igual, e as ranhuras dessa Casa Izabel são demasiadamente sedutoras, nos carregam por uma tração de História, que precisa ser reconfigurada sob olhos ainda não feitos. Entendemos que a ditadura não foi em absoluto dissecada pelo cinema brasileiro, e que muito ainda precisa ser contado a respeito do período, mas quantos foram os filmes queer a adentrar este cenário? E quantos o fizeram – ou farão – de maneira tão provocadora inclusive a sua própria narrativa? Volto mais uma vez à coragem, porque Baroni não se furta a proteger qualquer que seja a classe; todos em cena estão na mira de seu crivo e de seu roteirista, Luiz Bertazzo, ambos por trás de Alice Junior. Esqueçam essa experiência, porque aqui o lugar é outro; ou não, lembrem, e saquem o tamanho do salto dado por ambos.
Casa Izabel parte de uma provocação narrativa deliciosa: o que vemos, a princípio, não é o que iremos ver. Sem trazer spoilers à experiência do espectador (ou tentando evitá-los), a narrativa que é apresentada, suspeita e amedrontada da abertura, é o que é, apenas uma abertura. Uma maneira inusitada de abrir o filme e tornar claro o espaço geográfico-narrativo ali tomado. Conhecimento tomado pelo espectador, a câmera muda de foco e a produção mostra paulatinamente a que veio, suas camadas de eventos, sua representação acerca de seu universo, a forma como circunda aqueles personagens. Oa tipos parecem poucos, e aos poucos, começam a tomar insuspeitas novas formas, contornos e regiões, com uma riqueza de proposta que não nos é preparado, de cara. Mais uma vez, a coragem, aqui de ousar lidar com tantos elementos em profusão na tela, fora dela, infiltrando questões no filme cada vez mais subliminares.
Baroni tem convicção de, em uma situação absurda e de ambientação assumidamente falsa, trazer verdade e comunicação ao espectador. Não é uma tarefa fácil embarcar no olhar de Casa Izabel sobre a realidade exposta ali. Com esse hibridismo, movendo-se em direção a uma particular noção de senso estético, o filme abriga um desejo de expor diferentes formas de desejo, de realização de orientação, de sexualidade e de discurso, entre seus personagens. Ainda assim, não é observado machismo na sua esfera moral, mas sim entre seus habitantes, demarcando a atitude daqueles homens para longe do filme.
Não podemos fechar os olhos para os excessos de Casa Izabel, e é aí que o filme sinaliza seus problemas. Na ânsia de tratar de muitos assuntos, suas abordagens emperram a fruição do todo, expondo as ausências. Ao menos um personagem não faz sentido, seu surgimento na trama é desnecessário, tanto que o roteiro não sabe o que fazer com ele, e o deixa à deriva da catarse final, revelando uma inconclusão indigesta. É um bloco de eventos que perpassa o filme, define uma personagem, mas que nunca parece costurado à altura do resto dos elementos. Ainda assim, não há como deixar de aplaudir a suculência e a ousadia de Baroni e companhia, que não fizeram um filme consensual, mas uma experimentação estético-narrativa incômoda, mas que não deixa de arregaçar pulsão de vida, de resistência e reparação histórica.
Um grande momento
“Você”
[26º Cine PE – Festival do Audiovisual]