Crítica | Cinema

Gato de Botas 2 – O Último Pedido

O medo do fim

(Puss in Boots: The Last Wish, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Joel Crawford, Januel Mercado
  • Roteiro: Tommy Swerdlow, Tom Wheeler, Paul Fisher
  • Duração: 100 minutos

“Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total.”

Frank Herbert

A frase é de “Duna”, mas cabe perfeitamente à nova animação da Dreamworks Gato de Botas 2 – O Último Pedido já que é esse sentimento que paralisa o conhecido personagem de conto de fadas e o faz abandonar sua identidade. Tudo porque, depois de outra aprontação e após enfrentar um terrível gigante, o bichano morre mais uma vez e descobre que só lhe resta uma última vida pela frente. Aposentado na casa de uma senhora gateira, ele fica sabendo que tem mais uma chance caso encontre a estrela mágica do Último Desejo e peça suas vidas de volta.

Publicado pela primeira vez por Charles Perrault, o astuto Gato é aquele personagem que engana o rei depois de ganhar suas botas e faz com que seu dono se case com a filha do monarca. Na releitura presente na franquia de animações Shrek, em um universo recheado de contos de fadas reimaginados, ele se transforma em um habilidoso e festeiro ladrão de bom coração que se une ao ogro, Burro e seus amigos. Carismático, ele chegou a ter o seu próprio filme, lançado em 2011, onde arquiteta o elaborado plano do roubo da Gansa dos Ovos de Ouro, mas acaba se tornando o herói que salva a cidade no final. 

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Gato de Botas 2: O Último Pedido
DreamWorks Animations

Com muita adrenalina e alguma música, o hispânico felino dublado por Antônio Banderas no original e por Alexandre Moreno no Brasil tem várias características marcantes: é debochado, sedutor, petulante e também é daqueles que ri na cara do perigo, ou seja, é alguém que não dá espaço para o medo em sua vida. Quando se depara com a realidade da finitude, seu universo se transforma, ele se transforma. Um Lobo Mau, dublado por Wagner Moura, vira o mais terrível dos monstros e ser um bichano de colo, uma possibilidade.

Uma estrela cadente, um pedido

Gato de Botas 2 não nega as origens. Além de conhecer bem a força de seu protagonista, sabe que muito da potência vem da intimidade do público com as histórias que este tão bem conhece. E quem nunca olhou para o céu e fez um pedido a uma estrela cadente? Ou já não viu em tantas versões Gepeto pedindo a uma estrela para transformar Pinóquio em um menino de verdade? Pois é esse astro encantado que abre o longa, numa sequência de tirar o fôlego, cheia de cores e luzes. 

Gato de Botas 2: O Último Pedido
DreamWorks Animations

Aliás, a Dreamworks caprichou dessa vez no quesito visual ao, além de manter toda a já conhecida qualidade da animação computadorizada em 3D de suas histórias, apostar nas técnicas que remetem à estética de storybook, destaque de sua última empreitada Os Caras Malvados, em especial nas ótimas e bem coreografadas cenas de luta. E elas são muitas, entre vários personagens que retornam da antiga aventura do Gato, com Kitty Pata-Mansa; ou chegam ressignificados diretamente dos contos de fadas, com Cachinhos Dourados e os Três Ursos, o já citado Lobo Mau, e, o vilão supremo, Little Jack Horner, além de, claro, muitas referências a outros tantos rostos e nomes conhecidos.

Outra figurinha que surge, essa num lugar que se tornou muito importante nas animações, é Perrito, um cachorrinho disfarçado de gato que o protagonista conhece na casa onde se refugia e serve tanto como companheiro de jornada quanto alívio cômico. Seguindo o mapa que leva à estrela, ele tem ótimas passagens. Aliás, o sidekick é desculpa para umas tantas cenas coloridas no meio do caos e destruição dos caminhos daqueles que estão atrás do útlimo pedido, é a pureza e, a seu modo, o equilíbrio. 

Gato de Botas 2: O Último Pedido
DreamWorks Animations

Se as antigas histórias servem para gerar a identificação e trazer sua mensagem moral, com muita cor e adrenalina, Gato de Botas 2 – O Último Pedido vem para mostrar que aquele arrepio na espinha que se espalha por todo o corpo e a sensação de estar paralisado diante de algumas situações não é tão incomum, mesmo para quem está acostumado a enfrentar qualquer perigo e parece ser tão forte. E, dentre todos os medos, talvez não haja nenhum mais terrível do que aquele que venha da constatação da própria finitude, da morte. Poderia ser tudo trabalhado de um jeito muito pesado, mas aqui não é, se transforma em pura diversão.

Um grande momento
“Seu nariz está sangrando”

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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