Crítica | Outras metragens

Claudio

Retorcendo alegorias

(Claudio , BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Horror, Musical
  • Direção: Calebe Lopes
  • Roteiro: Calebe Lopes
  • Elenco: Nana Lacrima, Marcus Curvelo
  • Duração: 10 minutos

Calebe Lopes. 26 anos. Cineasta baiano. O quanto faz falta conhecer a filmografia completa de um autor para que suas obras reverberem da forma certa? Na verdade, esse não deveria ser o impeditivo de uma análise (e nem o é, a priori), mas principalmente no caso de um curta metragista, os caminhos constroem uma trajetória, e com Calebe em particular, a textura e a simbiose narrativa que ele vem desdobrando é sinal claro de amadurecimento. Há um cineasta assustador em campo agora, com o adjetivo sendo utilizado para muitas definições, e a mais ‘sui generis’ delas define sua transformação; onde estava esse mocinho que emerge agora? Claudio é uma carta de referências que deveria ser utilizada para qualquer que seja o passo seguinte, nos quais as demandas anteriores delineiam um avanço em todos os sentidos. 

Antes que o leitor se pergunte, não estou dizendo que somente assistindo toda sua filmografia iremos apreciar Claudio, o filme independe de seus ‘irmãos’. Mas é assombrosa a categorização de avanço a que ele chegou em seu novo filme, vindo de tão vasta visão sobre o cinema de gênero. É interessante observar a falta de interesse em Lopes na repetição, como se ao lançar um filme, sua cota de preocupação para aquele lugar esgotasse e ele partisse então para uma nova vertente. O debruçamento genuíno a essa cartografia dos desdobramentos sobre o fantástico coloca o cineasta em um lugar inusitado – ao mesmo tempo em que seu abrangente interesse abarca novas vozes, esse amadurecimento anunciado é enviesado em grande parte das vezes. 

Claudio é um produto híbrido, que mistura o horror (mais especificamente, o giallo, fatia italiana surgida nos anos 1960, que se notabilizou por certas características – o assassino em série, o detetive investigador, a jovem vítima em perseguição, o sangue falso ao extremo), o musical, a experimentação em forma, e retorce cada uma dessas ideias. Não é nunca com menos que fascínio permanente que acompanhamos os breves 10 minutos que abarcam o título, e que vão sendo reconfigurados em tela. É um trabalho que realça as ideias que lança no ar justamente por tratar cada uma de suas sentenças como algo novo, de aspecto referencial genuíno, mas tornado legítimo em sua tentativa de reorganizar suas bases para um 2023 bem diferente do mundo onde Mario Bava e Lucio Fulci foram glorificados. 

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Em cena, o que parece bem óbvio (trocar gênero de assassino e vítima), resulta em uma provocação de caráter definitivo. Sua figura mascarada e a perseguição incansável que promove ao indefeso macho-presa é sintomático de nosso entorno, das falas de lideranças de gênero, mas que também resolve o grau de originalidade de um título que precisava ser relevante para ostentar um lugar no debate. Qual seria a fricção provocadora em torno de Claudio se todos os códigos tradicionais fossem simplesmente assentidos? Após a experiência válida por trás de Pelano!, Lopes emerge como alguém que consegue pincelar as questões de gênero sexual sem soar exploratório ou capenga. 

Quando enfim a tradição musical italiana rasga a imagem construída para manter o fantástico em lugar de “conforto”, e transforma o coro de discussão igualitária entre gêneros (qualquer que seja o balizador da expressão gẽnero aqui) em uma celebração do feminino, com uma força estética inigualável. O trabalho de Thiago Duarte é superlativo, conseguindo reproduzir tanto das luzes e cores do tempo homenageado, e elevando a mise-en-scene de Lopes. A reprodução e o acerto de intenções ao evocar esse espírito setentista que se abre para o novo, é das maiores provocações alcançadas pela obra, que traduz um tempo passado repaginado, cheio de novas camadas que permitem jogar luz sobre dois períodos, e reforçar os debates que eram assumidos lá atrás, trazendo-os para a mesa atual.

Os trabalhos dos polivalentes Nana Lacrima (que, além de protagonizar, ainda interpreta toda a belíssima trilha) e Marcus Curvelo (que dirige, roteiriza, atua, produz, sapateia, pula num pé só, pela vida afora…) é mais um ponto de brilho a uma produção que desconcerta por elevar tanto um sarrafo, pessoal e coletivo. Claudio, por trás desse embasbacante jogo audiovisual, ainda carrega umas doses de inflexão não exigidas a Lopes. Seu apuro narrativo extrapola os limites da experimentação e promove uma discussão explícita sobre os papeis ampliados capturados por qualquer mulher hoje. Não é apenas um grande feito estético e emocional, nem apenas uma tentativa de cintilar sua ideia narrativa para fora dos limites da imagem; longe do altíssimo degrau que Calebe Lopes alcança aqui com sua filmografia crescente em qualidade (Modo Noturno, o anterior, já impressionara), um lugar de assertividade para com a própria carreira. Acabou a brincadeira, Claudio deixa isso bem explícito. 

Um grande momento

Os 10 minutos inteiros

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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