A arte de contar história em sons e imagens em um curto espaço de tempo. De difícil acesso ao grande público, os curtas-metragens estão entre o que há de mais interessante no novo cinema brasileiro. Mais plural, descentralizado, acessível, e agora muito facilitada pelas novas e fáceis tecnologias de captação, edição e envio, a produção traz histórias que conseguem dar vazão a todas as necessidades da atualidade: representação, representatividade, experimentação, inovação de linguagem, e por aí vai.
O curta-metragem é fundamental para o cinema. Além de ser o modo como tudo começou, tanto lá nas exibições voltadas para a tecnologia dos irmãos Lumière, quanto nas primeiras ficções mais elaboradas de Alice Guy-Blanché e Georges Méliès. Há uma ideia, bastante pertinente, de que é por meio deste formato que os realizadores ingressam no cinema, seria ele o começo, com todas as liberdades e experiências que fornece, o contato com a arte que os realizadores precisam para encontrar e fortalecer suas próprias marcas autorais.
Paralelamente a isso, há também a maturidade em perceber histórias que só cabem em pequenas durações, e é incrível achar diretores experientes buscando o formato e, com ele, propondo novas experiências. Juntando tudo isso, a realidade do cinema brasileiro é que existe uma quantidade enorme de cinema inventivo e relevante sendo feito.
Embora o número de curtas-metragens produzidos aumente com o passar dos anos e com as facilidades de uma realidade mais tecnológica, o acesso do grande público a eles ainda é muito restrito. Mesmo que presentes na programação de alguns canais de televisão fechada, como o Canal Brasil e o Curta!, e antecedendo algumas sessões, como as promovidas pela distribuidora Vitrine Filmes, o encontro com as telas grandes, em sua maior parte, se dá mesmo nos festivais de curtas-metragens pelo país.
E entre as pessoas que apostaram nesse novo e variado cinema está Maria Abdalla, diretora do Goiânia Mostra Curtas. Em sua 18ª edição, o festival vai além do papel de vitrine para o cinema que está sendo realizado pelo Brasil e preocupa-se com a formação, com a troca de ideias e com o estímulo da produção local.
Neste ano, junto com a ocupação da tela do Teatro Goiânia, a programação conta com encontros entre os realizadores, laboratórios com pitching, e dois importantes debates: “Gênero e Invenção no cinema: desafios de desconstrução e criação” e “Denunciar, criar, emancipar. Não necessariamente nessa ordem”, ambos precedidos pela seleção de filmes com os assuntos abordados e programados para este final de semana.
Pensada por Abdalla, Ivan Mello e Leila Bourdoukan, outro destaque na programação do festival é a Feira Audiovisual, que ocupa a Vila Cultural Cora Coralina e busca a capacitação e a discussão do cinema de curta-metragem com representantes do mercado no Brasil e no exterior. Desde o começo do Goiânia Mostra Curtas, na última quarta-feira, oficinas, masterclasses, e painéis trouxeram o formato para o centro das atenções.
O diretor franco-brasileiro Juliano Salgado ministra uma oficina sobre documentários, enquanto a produtora francesa residente no Brasil Emilie Lesclaux fala sobre produção. Nos últimos dias, painéis com vários profissionais da cadeia de produção audiovisual, brasileiros e estrangeiros, engrandeceram a feira, discutindo a realidade do curta-metragem e questões como financiamento e apoio.
E por falar em filmes
No momento em que o cinema brasileiro começa a mostrar nas telas o resultado de uma luta pelo reconhecimento da necessidade de uma democratização, com mais representações de gênero e raça tanto como representante como representado, esses são temas que se destacam na seleção. Diversificadas em olhares e falas, as curadorias de Maria Abdalla, Maíra Bühler, César Cabral, Pedro Maciel Guimarães e Gabriela Romeu são marcadas pela descentralização das produções.
Filmes locais encontram seu local ao lado de produções pernambucanas, paulistas, mineiras, baianas, catarinenses, gaúchas, alagoanas, capixabas, cearenses, mato-grossense, amazonenses, cariocas, paranaenses e maranhenses. Mas há mais do que isso, mulheres cis e trans se fazem presente na direção, assim como negros e negras. São muitas pessoas contando as suas próprias histórias e isso é enorme.
Nesta sexta-feira, por exemplo, o dia começou com uma tarde dedicada à produção animada, que também cresce enormemente no Brasil, com destaques para Guaxuma, animação pernambucana de Nara Normande, que encontra na mistura de técnicas um mode acessar a memória da diretora; o carioca O Homem da Caixa, de Alê Borges, Álvaro Furloni e Guilherme Gehr, que vê na narrativa tradicional um jeito de impressionar pela sua construção e técnica, e o goiano O Malabarista, de Iuri Moreno, que descobre na animação um meio de acessar documentalmente o cotidiano de profissionais da rua.
A Mostra Brasil encerrou a noite, com filmes que se destacam justamente pela variedade com que abordam seus temas, todos urgentes e atuais. Veganismo, aborto, transexualidade, feminismo, violência doméstica, vingança e os desacertos do sistema prisional estiveram na tela, numa seleção tematicamente relevante e tecnicamente potente.