Excesso e a ausência convivem em um ambiente sufocante em The Things We Keep. O que se vê, entulhado em cada canto da casa, é apenas a superfície de algo mais profundo: a falta que se acumulou por anos, o afeto que nunca encontrou espaço para se instalar. Esse espaço, onde cada objeto parece carregar um pouco de uma relação incompleta, é o que Kate reencontra ao voltar para esvaziar a casa da mãe com quem mantém uma relação distante e agora ainda mais complexa por conta da doença. Em cômodos entupidos de tralhas e passado, o que não foi descartado funciona como presença, e uma certa falta de afeto se materializa em espaço, cobrando seu preço.
A casa criada pela diretora Joanna Fernandez é um organismo vivo, e o horror nasce justamente dessa vitalidade inquietante. Nenhum objeto naquele lugar é inofensivo, todos eles são extensões de uma memória que não quer e, como se descobre depois, pode ser descartada. Esse jogo com a memória é interessante, uma vez que um dos focos é a senilidade. A relação entre mãe e filha, se revela com ansiedade, revelando um passado que expõe aquilo que a estética do filme destaca como algo que se esconde, trazendo a compreensão para quem está do outro lado da tela. A cada caixa movida, Kate não se livra do peso, apenas o desloca para outro lugar até chegar ao que já fora antecipado por quem acompanha seus movimentos.
The Things We Keep se constrói na materialidade do espaço. Econômica nas cores, a arte é detalhista e a fotografia cria um ambiente denso, quase irrespirável, onde a luz é filtrada por camadas de pó. Os planos destacam a quantidade absurda de objetos que nunca foram movidos e se aproximam de maneira sufocante de alguns elementos, manipulando bem a tensão, assim como o som opressivo. Quando Kate descobre o que está escondido atrás das paredes, o terror não vem apenas com a revelação, mas com a percepção de que a casa vinha carregando, silenciosamente, algo mais profundo. É uma ameaça que não se vê de imediato, mas que sempre esteve ali, corroendo tudo.
As atuações reforçam o horror psicológico da narrativa. Não há exagero, mas há a ansiedade constante de quem sente que o espaço está à espreita. Cada movimento carrega um desconforto que não é só físico: é como se o próprio ato de lidar com os objetos fosse uma convocação daquilo que está oculto. Numa metáfora incômoda sobre a relação materna e todas as suas complexidades, o longa reforça laços de identificação e ruptura, assim como a alteração de papeis. A presença ausente que se vê no filme não traz alívio. A mãe existe como sombra, em uma relação impossível de ser encerrada, mesmo depois que ela se vá.
The Things We Keep usa o terror para falar de heranças que não podem ser descartadas. O excesso e a ausência são forças ativas, capazes de transformar o espaço presente em passado e revelação. A casa não pode ser esvaziada, porque aquilo que Kate leva consigo não se desfaz, é um peso invisível, tão denso quanto aquilo que permaneceu escondido atrás das paredes. E, para ela, é apavorante encarar o que existe hoje, assim como foi um dia para sua mãe. Para que se siga, então, que fiquem os entulhos.
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