Crítica | Festival

Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans

No rolê paulistano

(Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans , BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Sérgio Silva
  • Roteiro: Sérgio Silva
  • Elenco: Igor Mo, Gilda Nomacce, Julia Katharine, Fernando Vitor, Gabriel Rett, Mariana Ximenes, Helena Ignez, Gengibre
  • Duração: 75 minutos

A forma que Sérgio Silva encontrou para externalizar sua timidez e introspecção é uma base para o pensamento em Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans, sua estreia na direção de longas metragens. Estratégia usada muitas vezes, existe um alter ego em cena que o ilustra muito bem, e percebemos que sua intenção era exatamente a de mostrar uma fatia de mundo que pode muito bem ser vista através dos seus olhos. Vivido por Igor Mo, Marcos tem muitas características que o diretor assume serem suas – o resultado é carregado de um tom autobiográfico que se resolve com alguma facilidade, tendo em vista a simpatia do projeto como um todo.

Para essa estreia, Silva parece ter domado o tanto de encenação que existia de maneira prévia em seus curtas, e aqui esses elementos até aparecem, mas temos uma comédia muito divertida e muito possível, dentro de um registro de fantasia – alguma, ao menos. Mas, em conceito geral, estamos diante desse homem, que tem acertos de contas em camadas a resolver com seus próprios fantasmas, alguns literais. Tais perdas emocionais poderiam transformar a produção em algo melancólico, mas no lugar disso Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans apresenta uma narrativa solar, justamente contrastando com o clima que seu protagonista apresenta. 

Um contraste acontece principalmente na figura de Mo, um homem jovem, com os temores mais complexos que alguém de sua idade aparenta; a sinopse aponta Marcos como alguém às vésperas dos 40 anos, e o ator mal aparenta ter 30. Nesse sentido, Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans trabalharia com uma estrutura teatral, onde seus atores não obedecem a idade que seus personagens tem. Com o advento da pandemia, muitos jovens começaram a apresentar casos de alguma reclusão social e emocional ainda mais cedo, e isso é um ponto a favor dessa possível desconexão etária. Seu comentário, no entanto, fica acima dessa discussão. 

É um cinema que olha muito para personagens paulistanos com carinho, mas sem perder de vista suas implicações, seus hábitos e modo de encarar um dito naturalismo muito particular. Particularmente, o cinema que Silva faz me interessa muito, assim como o cinema de Caetano Gotardo, Gustavo Vinagre e outros representantes, ou das produtoras Filmes do Caixote ou da Carneiro Verde. São produções que não tem interesse em muitas demandas que tomam conta da zona de discussão de festivais, ou seus comentários coletivos. Exatamente como em Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans, que parece mais interessado em falar sobre os indivíduos do que em suas aldeias, e dessa maneira exata é que consegue justamente comunicação. E ainda temos esse viés fantástico, que move a narrativa com uma leveza que não poderíamos imaginar. 

Não é uma ‘verdade universal’, nem algo que não seja subjetivo; é. Mas o que é feito por Silva me chama atenção, em um momento onde os autores parecem ter seu umbigo muito em primeiro lugar. Tiradentes, esse ano, esteve regado de filmes que fossem uma mensagem direta de seus diretores para si mesmos, ou com um foco muito forte em suas próprias dores, em suas exclusivas preocupações. Os filmes que acabam criando uma sobrevida a esse recorte são os que conseguem rir disso, ou dinamizar as relações, ou tornar seus olhares o mais universal possível. Quando, além disso, Nem Deus é tão Justo quanto Seus Jeans consegue ir até o caos da pandemia e se articular com o que nasceu durante ela para o que nasce posteriormente, é um sinal de que o campo se abriu. 

Alia-se ao filme um elenco que, apesar dos laços posteriores e dos encontros prévios, consegue fortalecer a narrativa mostrada para longe da intimidade entre seus integrantes. O resultado é esse protagonismo de Mo traduzido em uma figura muito exemplar da sociedade atual, alguém conectado a uma melancolia muito palpável. Além dele (e da expressividade de Gengibre, o intérprete de Baby, a cachorrinha semi-protagonista), existem em cena Julia Katharine e Gilda Nomacce, e fica difícil escolher qual está mais à vontade em cena, e traduz melhor o espírito de um tempo de frescor e delicadeza no cinema paulistano. Elas são o contraponto de Mo, e reside nelas a expressão mais expansiva de um filme que queria ser mais introspectivo do que efetivamente é. Não dá, Silva… com um confronto com um fantasma (mental ou não) e uma Mariana Ximenes como ninguém jamais viu, seu filme é um barato.

Um grande momento

O diálogo entre a psicóloga e Marcos, com Baby no colo

[28ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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