Contágio

(Contagion, UEA, 2011)
Drama
Direção: Steven Soderbergh
Elenco: Gwyneth Paltrow, Matt Damon, Laurence Fishburne, Laurence Fishburne, Marion Cotillard, Jude Law, Kate Winslet, Larry Clarke, Bryan Cranston, Elliott Gould, Tien You Chui, Josie Ho, Daria Strokous, Griffin Kane, Yoshiaki Kobayashi, John Hawkes, Monique Gabriela Curnen, Grace Rex, Armin Rohde, Anna Jacoby-Heron, Jennifer Ehle, Demetri Martin, Enrico Colantoni, Dan Aho, Chin Han, Brian J. O’Donnell, Kara Zediker
Roteiro: Scott Z. Burns
Duração: 106 min.
Nota: 8

Contágio

Nove anos atrás, um filme dirigido por Steven Soderbergh (Onze Homens e um Segredo), escrito por Scott Z. Burns (O Relatório) fez um exercício de imaginação sobre como o mundo iria lidar com um vírus gripal transmitido pelo ar com letalidade próxima da casa dos 20% e alta capacidade de contaminação.

“Uma pessoa toca em médio o rosto duas a três mil vezes ao dia”, alerta a médica infectologista Erin Mears (Kate Winslet, de Roda Gigante) e logo o vírus se torna uma pandemia mundial nessa que é a premissa de Contágio mas que é um retrato assustadoramente real e fidedigno do mundo em 2020 com o coronavírus. Assusta por que o filme acerta em quase todos os aspectos sobre como o vírus vem deixando todos em pânico mas especialmente sobre como as pessoas agem em situações tão limitantes.

A trama vai se armando num multiplot em formato de mosaico, ou seja, uma narrativa onde os personagens estão em linhas temporais ou espaciais distintas mas em determinados momentos há cruzamentos entre suas histórias – como em Magnólia ou nos filmes de Robert Altman. E a marcação das subtramas vai na tensão crescente do aumento do número de casos e de mortes pelo MEV-1, numa costura muito competente de Scott Z. Burns que traça a corrida dos cientistas pela cura, por vacinas ao mesmo tempo em que acompanha aqueles que tentam sobreviver ao período de lockdown ou mesmo a epidemiologista vivida por Marion Cotillard (Piaf) indo até Hong Kong e tentando definir como o vírus surgiu e contaminou a paciente zero, a executiva norte-americana Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow, de O Amor É Cego).

A família Emhoff tem que lidar não só com a morte da mulher como do filho caçula, o que deixa o pai, Mitch (Matt Damon, de Ford vs Ferrari) completamente perdido tendo que lidar com o fato de que a esposa espalhou a doença pelo seu país, que ela tinha um amante e que a única coisa que lhe resta fazer é salvaguardar a própria saúde e a da filha adolescente. Pela experiência deles Contágio mostra o desespero que se torna vigente na cidade, com as pessoas estocando comida, as lojas fechadas e logo sendo saqueadas até virarem cenário de distopia, com ruas desertas e cheias de entulho.

A linha narrativa do filme na passagem do segundo ato, que se aproxima do ponto de virada, se concentra nos EUA, em Minnesota. Já se passam centenas de dias e a MEV-1 contabiliza milhões de mortos entre todos os continentes. Ao travar contato com pacientes a própria doutora Mears (Winslet) contrai a doença e sucumbe, tornando ainda mais difícil o trabalho do doutor Ellis Cheever (Laurence Fishburne, de Matrix), que coordena o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) e trava a luta contra o tempo para tentar remediar o estrago provocado, nas palavras da doutora Ally Hextall, pelo encontro “muito infeliz dos genes do morcego errado com o porco errado na hora errada”.

Ao falar aos representantes do Pentágono quando questionado sobre o volume de recursos para construção de hospitais de campanha e investimento científico para fabricação da vacina, Cheever ratifica que prefere “errar por exagero e salvar milhões de pessoas do que não fazer nada”. E ele comete um erro estratégico, mas enormemente humano quando vaza informações sigilosas para a namorada, que está em uma das cidades onde a contaminação se alastra com mais rapidez e ela conta para uma amiga que espalha a informação. A oportunidade de remissão do pecado do egoísmo vem quando ele recebe doses da cura e opta por abrir mão da sua para proteger o filho do faxineiro do CDC, que o ouviu ao telefone.

Soderbergh e Burns não conseguem desviar totalmente de algumas cenas piegas mas conservam o senso de urgência em toda a trama e no elencão (que é de praxe nos filmes de Soderbergh) ainda emprestam credibilidade em pequenos papéis Bryan Cranston (Trumbo), Elliot Gould (Doze Homens e Outro Segredo) e John Hawkes (Evereste). Contágio talvez seja uma das melhores produções dentro desse subgênero da ficção científica sobre epidemia, vírus e apocalipses provocados por contaminações biológicas sem esquecer é claro dos filmes de zumbi com uma ferrenha crítica ao establishment. Ao fim, o aprendizado de que em qualquer crise humanitária o lastro da solidariedade e da cooperação é o que pode colapsar um sistema excludente, que diz quem está apto a receber a vacina imediatamente ou vai esperar por meses, quem sabe perecendo perante a opressão do capitalismo global representada aqui nos governos de conluio com as corporações e grandes laboratórios da indústria farmacêutica.

A personagem de Cottilard inclusive compreende que é preciso ir de encontro aos protocolos e politicagens da Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar que um vilarejo chinês seja completamente acometido pela doença. Mas poucos são os personagens – fictícios ou de carne e osso – que se sacrificam pelo bem maior. Até picaretas e pilantras, dispostos a espalhar fake news e falsas curas como o pseudo jornalista vivido por Jude Law (Vox Lux) – que alega ter contraído o vírus e se tratado com Forsidia, mas podia ser Tamiflu ou hidroxicloroquina – são um contrapeso importante, provando como aquilo que Zygmunt Bauman se refere como “fantasma do vírus” (no caso, ele discorreu sobre a gripe suína de 2009 que originou o vírus H1N1) é um instinto virulento que impede distinguir o que é verdade do que é moeda de troca política ou encoberta pelo interesse mercadológico e que precisa ser erradicado.

Um homem inclusive morreu segundo a agência de notícias AFP após administrar fosfato de cloroquina, indicado pelo presidente Donald Trump como tratamento para o o convid-19, em uma aparente tentativa de evitar o Contágio e veio a óbito. Inclusive em entrevista concedida ao Slate semanas atrás, Burns chamou Trump a sua responsabilidade e colocou toda a pesquisa que fez para o filme à disposição do governo – oportunidade única de evitar os erros usando a arte como uma ferramenta de transformação e conhecimento.

Poucas vezes um filme de ficção teria cumprido um papel tão orientado e que muitas vezes está resumido às obras documentais, de urgentemente servir como matéria para lidar com uma realidade imediata e difícil.

Um Grande Momento:
O caminho do vírus até o Contágio humano.

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IMDb

Fotos: Claudette Barius/© 2011 Warner Bros. Entertainment Inc.

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