Crítica | Streaming e VoD

Crimes de Família

(Crímenes de familia, ARG, 2020)

  • Gênero: Suspense
  • Direção: Sebastián Schindel
  • Roteiro: Pablo Del Teso, Sebastián Schindel
  • Elenco: Cecilia Roth, Miguel Ángel Solá, Sofía Gala Castiglione, Benjamín Amadeo, Yanina Ávila, Paola Barrientos, Marcelo Subiotto
  • Duração: 99 minutos
  • Nota:

Observar esse Crimes de Família e ver sair dele obra tão sólida e envolvente é ter a certeza que não é preciso uma história mirabolante, uma direção gritada em méritos e feituras, ou um malabarismo estético que sacuda nossas percepções. Contando com esmero coletivo e vontade de fazer valer sua narrativa simples na superfície porém profundamente complexa no diapasão das relações humanas e no desenrolar da sua dramaticidade, a estreia de hoje da Netflix engendra tão bem seu quebra-cabeça particular que é difícil não reconhecer os modestos méritos de um roteiro tão bem desenvolvido, repleto de questões universais em companhia de pautas muito atuais e prementes.

O diretor Sebastian Schindel (de O Filho Protegido) adapta uma trama desenvolvida a partir de eventos reais com muita parcimônia e cuidado, sem jamais resvalar no enfadonho ou desinteressante, moldando a teia da família protagonista e unindo o desenvolvimento de três mães completamente diferentes entre si, que em comum tem o laço invisível que as conectam aos seus filhos incondicionalmente. É um filme com profundo respeito não apenas ao amor de mãe, quase o elevando a uma entidade que a tudo comporta e compreende, mas principalmente muito consciente de como mulheres podem se repelir ou se conectar de maneiras muito intensas e definitivas.

Cecilia Roth em Crimes de Família

Schindel, até por ter escrito o roteiro junto a Pablo Del Teso, tem controle sobre quais elementos acessar ao longo da produção, e exatamente em que momentos cada nova camada é acrescentada. A simplicidade já citada não é sinônimo de ausência de dramaturgia ou leveza no tratamento, pelo contrário; o jogo que o filme estabelece é resultado de uma montagem sofisticada que coloca em paralelo duas das três histórias do filme, necessariamente Alicia e Gladys, patroa e empregada. Através de dois processos judiciais distintos descascados pelo filme em paralelo, conhecemos cena a cenas os motivos que levaram dois personagens a cadeia, numa abordagem nada inovadora, porém empregada com sutileza e eficácia pelo montador Sebastian Schjaer.

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Talvez falte aos personagens masculinos a precisão de relevo que o roteiro dá a suas mulheres em cena, não restrito a Alicia, Gladys e Marcela; em exemplo paralelo, há uma psicóloga vivida por Paola Barrientos que não apenas se desenvolve em três cenas, como ocupa muito espaço graças ao cuidado que a mesma apresenta na sua organização de ideias. Já os personagens masculinos, incluindo os dois protagonistas, tem funções muito mais pontuais e expositivas do que reveladoras de suas sombras internas. Ainda que esse recorte seja parte da proposta, a opção pela primazia da voz faz que com que o filme soe vago aqui e ali, ainda que não comprometa sua compreensão narrativa.

Benjamín Amadeo em Crimes de Família

Em uma obra com tanta minúcia emocional, o elenco bárbaro que o filme tem a sua disposição era mais do que necessário; podemos dizer que são eles os agentes responsáveis pelo elevado teor de comprometimento que o público se vê compelido a embarcar. Os desempenhos dos veteranos Cecilia Roth (de Tudo Sobre Minha Mãe) e Miguel Angel Solá (de O Vazio do Domingo) é construído todo em cima de um naturalismo tão cru, que junto com o trabalho de Yanina Ávila (de Uma Espécie de Família) dão o tom da narrativa, criando uma rede de apoio para cenas de tribunal opcionalmente pesadas porém cruciais para que suas camadas ganhem vida.

Nesses depoimentos do tribunal estão o coração de Crimes de Família, que monta cuidadosamente seu mosaico de sororidade insuspeita e nada panfletária tendo essas cenas como base de construção, desconstrução e reconstrução. Se os momentos de Sofia Gala Castiglione e Benjamin Amadeo são, em cada momento particular, duas pauladas de entrega, emoção e complexidade para seus personagens, Alicia e Gladys têm a palavra em situações singulares para ambas, que acabam por trazer muitas tintas que abrem um leque para suas narrativas próprias, e que acabam por uni-las ainda mais. Sem fazer alarde, o filme nos tira da zona de conforto para observar camadas obscuras de maternidade e a união feminina sob uma ótica inusitada, repleta de ramificações.

Um grande momento
O depoimento da psicóloga.

Ver “Crimes de Família” na Netflix

Cecilia Roth, Miguel Ángel Solá, Sofía Gala Castiglione, Benjamín Amadeo, Yanina Ávila, Paola Barrientos, Marcelo Subiotto, Sebastián Schindel

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Erika Liporaci
Erika Liporaci
21/08/2020 01:07

Concordo com tudo que você ressaltou, só que gostei mais do que você (você deu 3 estrelas, eu daria quatro).

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