- Gênero: Terror
- Direção: David Cronenberg
- Roteiro: David Cronenberg
- Elenco: Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Scott Speedman, Kristen Stewart, Welket Bungué, Don McKellar, Yorgos Pirpassopoulos, Tanaya Beatty, Nadia Litz, Lihi Kornowski, Denise Capezza, Efi Kantza
- Duração: 107 minutos
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Um mundo sem cor, imundo, infeliz. É nele que Saul Tenser é tido como um grande artista. Sua arte: esperar que seu corpo produza novos órgãos para depois retirá-los em performances cirúrgicas elaboradas por sua ajudante Caprice. Um artista quase involuntário, portanto, mas símbolo de uma época em que o prazer está escondido em outras formas e a dor deixou de existir banindo os limites e a autopreservação. Por trás desse retrato da deturpação está alguém acostumado a traduzir a realidade usando aquilo que ela tem de mais perturbador, David Cronenberg. Em Crimes do Futuro, o diretor questiona o vazio e o nada disfarçados de muito que já existem, fazendo questão de embrulhar o estômago com aquilo que mostra.
Nada no longa, escrito também por Cronenberg, é básico ou facilitado, seja visual ou narrativamente. A trama policial vai se confundindo, criando espaço para elaborações sobre a decadência e a degeneração. Independentes, um homicídio e uma investigação policial sobre novos órgãos servem como pano de fundo para um olhar mais profundo para a arte, os artistas e a própria sociedade como um todo, com seus anseios e fracassos, e toda sua eterna burocracia e vaidade.
O cineasta conhece todas as peças e, mesmo que nem sempre as disponha com muito equilíbrio no tabuleiro distópico que cria, passa uma mensagem impactante. Uma distopia quase tão alegórica quanto Saul, sabemos, já que é do hoje que se fala. Crimes do Futuro é um filme metafórico que dá espaço para reflexões sobre uma realidade onde os sentidos básicos se perderam, e o artificial transformou tudo. Um ato performático descolado resume a relação e expõe a farsa da exaltação à uma produção em série que por mais que tenha um quê de esforço físico, é automática, aleatória, literalmente brota como um câncer.
É possível abrir espaço para pensar nesse elemento como a inspiração, que tem essa natureza, mas Cronenberg previne a relação com peças muito particulares, como uma máquina burocrática de classificação ou o fato de um ser do governo infiltrado estar por trás de tudo, a espetacularização e, o mais importante, o apagamento. Nessa nova arte, e esse debate é explicitado no filme, há uma dupla e nela, quem executa, realiza a arte, mas não recebe o crédito. Essa misoginia do palco, está atrás dele, quando se olha para quem cria a maquinaria e até na história que nada tem de artística, quando a mutação quer se provar pelo gênero.
São tantos elementos de identificação e constatação da proximidade que é impossível desprender a atenção de Crimes do Futuro, mesmo com toda a angústia meticulosamente provocada. Revestido com a aura delirante de um futuro que parece improvável, o veneno, o fanatismo, a burocracia e o espetáculo estão ali para mostrar o agora. A facilidade de um zíper, a busca por uma satisfação que se tornou impossível e a plasticidade do prazer incomodam mais do que o gráfico. Cronenberg olha para uma sociedade doente e, como criador original que é, confortável seu estilo muito próprio, elabora uma crítica potente.
Importante dizer que muito do resultado de Crimes do Futuro está na atuação impactante de Viggo Mortensen como Saul, bem acompanhado de Léa Seydoux e Kristen Stewart como Caprice e a burocrata Timlin, respectivamente. Todo o universo decrépito criado diante desse navio naufragado que é a humanidade, no desenho de produção da experiente Carol Spier (Senhores do Crime) e figurino de Mayou Trikerioti (Pari), também é fundamental.
Um grande momento
A autópsia