Crítica | Streaming e VoD

Crônicas de Natal: Parte Dois

Erraram no gênero narrativo

(The Christmas Chronicles: Part Two, CAN, 2020)

  • Gênero: Fantasia
  • Direção: Chris Columbus
  • Roteiro: Matt Lieberman, Chris Columbus
  • Elenco: Kurt Russell, Goldie Hawn, Darby Camp, Julian Dennison, Jahzir Bruno, Darlene Love, Tyrese Gibson, Sunny Suljic, Judah Lewis, Kimberly Williams-Paisley, Patrick Gallagher, Malcolm McDowell
  • Duração: 112 minutos
  • Nota:

Em 2018, a Netflix lançava um de seus maiores sucessos de produção até os dias de hoje – especialmente nesta década do ano -, o divertidíssimo Crônicas de Natal. Dirigido por Clay Kaytis, com um inusitado Papai Noel de Kurt Russell, a boa dupla de atores infantojuvenil Judah Lewis e Darby Camp e uma boa integração com animação, ponto de intimidade de Kaytis que traz no currículo a codireção de Angry Birds e trabalho nas áreas técnicas de animações como Frozen, Enrolados e A Nova Onda do Imperador. A dinâmica é a velha conhecida, se há sucesso, há continuação. Garantida para dois anos depois, Crônica de Natal: Parte Dois acabou de chegar à gigante de streaming.

Agora sob a batuta de Chris Columbus, as coisas estão um pouco diferentes. Claire virou a adolescente chatinha que Doug era no começo do filme anterior enquanto ele está mais tranquilo e tenta acalmá-la. Há uma trama com um vilão aparentemente de pouca idade e uma brincadeirinha do final do outro título é incorporada e ganha relevância aqui: a Sra. Claus de Goldie Hawn. Parte Dois tem lá o seu charme, mas é um filme inchado demais pela quantidade de assuntos que quer abordar, justamente o oposto do que o anterior fazia. A simplicidade do roteiro de lá deixava espaço para que muitas das ações encontrassem espaço para se desenvolver e envolver. Já aqui tudo é rápido e pouco profundo, apesar de bons momentos.

Crônicas de Natal: Parte Dois

Columbus deixa clara a sua marca seja no modo como usa a trilha sonora, mais uma vez assinada por Christophe Beck, mas muito mais presente e característica, ou na aproximação com os personagens, algo que ele faz de um jeito muito especial. Aquele toque filme família do diretor de Uma Noite de Aventuras, dos primeiros filmes de Harry Potter, de Esqueceram de Mim e outros também está bem presente. Há muito apuro na construção do universo mágico, na mescla animação-live action, que se mantém e se multiplica aqui, mas falta a simplicidade e jeito mais despojado com que Katis encontrou o caminho para sua história mais enxuta. Aquele ar de crônica, portanto, não está aqui.

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Se no filme anterior o fio condutor era o luto, Crônica de Natal: Parte Dois, fala de adolescência. Se começa ali nos sentimentos de Kate em relação a Claire, é em Belsnickel que foca. Ele, com o tópico masculinidade tóxica, é um dos elementos novos que chegam à trama para trazer outras questões, como a relevância da mulher nessa grande fantasia de Natal — nada que realmente chegue a algum lugar, mas são os primeiro passos. Até há um certo interesse na discussão que o filme desperta. Especificamente, a coisa da competitividade pai e filho, a imaturidade do homem frente ao próprio envelhecimento é interessante.

Crônicas de Natal: Parte Dois

A desconstrução do Papai Noel, que não consegue pensar em ver sua aldeia renomeada com o nome da esposa e não pode ser superado por ninguém, não pode ser ignorada, mas Columbus e Matt Lieberman, que assinam o roteiro, ainda escorregam aqui e ali. São tentativas de inovação contextual louváveis no roteiro, mas que acabam esbarrando em questões muito estruturais. O filme ainda tem uma preocupação com a inclusão racial, tão necessária a esses filmes natalinos, são centenas de produções lançadas com pouquíssima participação negra. Aqui ela existe, ainda que com pouquíssimo espaço.

A construção do filme mescla reciclagem e experiências. Muito do que se vê em tela é reaproveitado do título anterior, como a cena musical, aqui menos surpreendente do que aquela deliciosa na cadeia com Little Steven and The Disciples of Soul, mas com a sempre maravilhosa Darlene Love. Outras foram aprimoradas como as conversas em élfico (não, não é o mesmo do Tolkien) ou a trilha sonora cheia de referências divertidas, como a citação a John Williams quando chega à Turquia para falar com Hakan, ou quando o trenó fica mudando entre seus buracos de minhoca. Porém, tem uns exageros no caminho, “who let the dogs out?” por exemplo, não precisava.

Crônicas de Natal: Parte Dois

Crônicas de Natal: Parte Dois se desvia bastante do seu antecessor, tem vontade de mostrar mais do que precisava, mantendo a mesma estrutura. É um filme mais pesadão, que segue de forma mais arrastada; acaba mais classudo, menos descolado, mas tem os seus momentos e consegue divertir. Além disso, na temporada natalina de produções tão pasteurizadas, onde as histórias praticamente usam todas os mesmos roteiros (e, por vezes, os mesmo atores), filmes com qualquer tentativa de um desenvolvimento narrativo que vá além da primeira camada, já valem a pena. 

Um grande momento
O desafio de Jack

Ver “Crônicas de Natal: Parte Dois” na Netflix

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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