Crítica | Streaming e VoD

Desencantada

Após o final feliz...

(Disenchanted, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Musical, Fantasia
  • Direção: Adam Shankman
  • Roteiro: Brigitte Hales, J. David Stem, David N. Weiss
  • Elenco: Amy Adams, Patrick Dempsey, Maya Rudolph, Gabriella Baldacchino, James Marsden, Idina Menzel, Yvette Nicole Brown, Jayma Mays, Kolton Stewart, Griffin Newman
  • Duração: 115 minutos

O título original do longa de 15 anos atrás, Encantada, fazia uma brincadeira com o fato da produção de sucesso da Disney ser uma espécie de paródia, releitura e homenagem aos clássicos do estúdio em animação, quando uma princesa de conto de fadas vem parar no mundo real. Essa continuação tardia, Desencantada, não apenas faz um trocadilho com o título anterior, como brinca com a condição de Giselle – literalmente, tudo que ela imaginava que seria ao viver “entre nós”, desencantou-se. A magia do ‘…e foram felizes para sempre’ evaporou em meio às rotinas de uma vida comum, com filhos, marido, uma casa para ordenar, e ainda se encontrar como uma mulher ativa. Isso é o prólogo dessa nova produção que, sem capacidade de raciocínio, os executivos da Disney jogaram direto para o seu streaming, perdendo a oportunidade de um novo hit de bilheteria. 

O original era dirigido pelo bem sucedido Kevin Lima, do Tarzan animado e do 102 Dálmatas em live action. É substituído aqui por Adam Shankman, coreógrafo transformado em diretor e responsável por Rock of Ages e Hairspray. Sua experiência com musicais o gabarita para o quadro, e Desencantada, assim como o primeiro, conta com números muito bons, bem coreografados e até empolgantes; o caso de ‘Badder’ chega a ser acima da média. É um filme tão criativo visualmente quanto o primeiro, voltando a ser uma isca infantil de primeira; difícil é se desconectar da aura positivamente ingênua que a produção propaga. Há uma sensação de voltar no tempo assistindo ao filme, a anos mais puros e sentimentos menos caóticos, onde aqui é entregue diversão e descontração. 

Desencantada
Disney

O que não dá é pra fingir que a nova produção sequer se equipara ao original. Um neo-clássico instantâneo, em 2007 o cinema foi assolado por esse rolo compressor que cativou já mais de uma geração. Com uma ideia simples realizada de maneira muito criativa e competente por seus responsáveis, Encantada conseguiu ser um sopro de renovação para um ‘personagem’ do qual nem faz parte diretamente, as princesas de animação. Aqui, voltamos a encontrar Giselle e a família que ela criou ao passar pro lado ‘menos animado’ da força, mas apesar dos esforços claros de se retomar a qualidade do original, o que vemos aqui são possibilidades não cumpridas. Quanto a simpatia, isso continua sobrando à produção. 

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Desencantada
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Mas se Desencantada não consegue ter uma trilha sonora tão especial, se a direção parece dedicada menos aos seus elementos originais (o humor e a zombaria) e mais a contemplar uma qualidade impensada, há uma dedicação quanto à mensagem e quanto ao que é mais cerebral, digamos assim. Se no longa original o que víamos era uma homenagem ampla sobre um universo de fácil reconhecimento, aqui as particularidades já foram assimiladas, e o reforço é outro. O roteiro passa a servir diversão a adultos que buscam ‘easter eggs’ nas produções (ou seja, sacadas visuais que remetem a uma costura extra fílmica, muitas vezes). O resultado é um filme dedicado a se arriscar visualmente, colocando a perder a vibração da audiência. 

Desencantada
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Na teoria, a ideia é curiosa e bem defendida. E se Giselle se transformasse no que sempre temeu, no auge da melancolia? E se fosse de sua essência tornar-se o oposto de si mesma? Desencantada dá ao espectador todas as pistas para chegar no lugar onde chegou, com graça, ironia, alguma reflexão, mas acima de tudo, com muita auto consciência. Taí o que coloca parte do projeto a perder; saber suas próprias qualidades e se vangloriar delas muitas vezes é a porta de entrada para a arrogância, que nos mascara a verdade. Em resumo, falta fluência na obra, onde vemos mais frontalmente uma tentativa deliberada de fazer tudo muito certo. Essa percepção faz com que o filme soe confortável no lugar que pretende alcançar, colocando a perder a tal inocência. 

Embarcando em mais um projeto que em um filme, o elenco de Desencantada não deixa transparecer suas ambições. Todos estão muito bem, mas o encontro entre Maya Rudolph (de Missão Madrinha de Casamento) e a estrela Amy Adams merece uma nota a parte. Rudolph está completamente integrada ao quadro de veteranos do elenco, em uma dobradinha rica com a protagonista. Adams, por sua vez, é a razão de ser, mais uma vez, de tamanho interesse por tudo ali. Ainda que sua carreira tenha sofrido alguns reveses recentes, seu talento está intacto e sua entrega a Giselle é comovente – a personagem (e o filme) é o que é por sua culpa, de seu talento descomunal e de sua dedicação. Todo e qualquer mérito de Desencantada passa por ela, e é por ela que o filme resiste a ventos e tempestades. 

Um grande momento

A dualidade de Giselle entre o lado esquerdo e direito da filha

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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