Crítica | Streaming e VoD

Desfile de Corações

Clichês da teledramaturgia

(Parada serc, POL, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia, romance
  • Direção: Filip Zylber
  • Roteiro: Wiktor Piatkowski, Natalia Matuszek, Marianna Pochron
  • Elenco: Anna Próchniak, Michal Czernecki, Iwo Rajski, Piotr Rogucki, Katarzyna Zielinska, Monika Krzywkowska, Grzegorz Warchol, Kamil Szeptycki
  • Duração: 108 minutos

Mais um sucesso da Netflix acaba de se mostrar menor do que o merecimento para tal. Desfile de Corações, produção polonesa que está há uma semana entre os mais vistos dentro da plataforma, é uma comédia romântica que, em seus melhores momentos, não deixa de ser banal, e até reciclada de tantos outros roteiros do streaming. Rapidamente, a ideia de Combinação Perfeita vem à cabeça, só pra citar o exemplo mais recente. Mais uma vez, uma jovem moça de carreira promissora é demitida e resolve se vingar dos antigos chefes roubando a conta que a levou a uma promoção que não aconteceu. No caminho, ela obviamente se apaixona e lá pelas tantas, seus antigos empregadores a querem de volta, no que ela sabiamente fugirá, motivada pelos novos valores adquiridos na aventura. Sentiu a repetição?

Mas tem mais, em matéria de aborrecimento. Como crescemos aprendendo na frente da televisão, o combo “homem mais velho + mulher mais jovem” nunca foi uma prerrogativa exclusiva da Globo, ao escalar José Mayer, Tarcísio Meira e Francisco Cuoco para protagonizar romances com ninfetas. Aqui, o protagonista masculino Krzysztof é um viúvo que claramente já ultrapassou dos 40 anos, enquanto a jovem Magda com boa vontade podemos dizer que ainda não chegou aos 30. Isso, se caso isolado fosse, não teria problema algum, mas estando na Polônia, no Brasil, na América do Norte ou na China, é uma ideia difundida pelas narrativas, de inclinação machista. Homens protegem e mulheres existem para ser protegidas, inclusive se seus sonhos e inclinações profissionais forem tragados pela vontade e pelas questões masculinas, ainda melhor. 

Em cena, o gatilho de um desfile de cães da raça dachshund (aquelas linguicinhas) provoca o habitual “fofurômetro” apitar mais alto na cabeça do espectador, que é coagido a babar pelos pequerruchos que invadem a tela. Em particular Trombone, o mascote da família micro formada por Krzysztof e Karol, seu pequeno e adultizado filho. Esse é outro clichê do qual o filme não foge do encontro, mostrar uma criança sábia que entenda mais da vida adulta que os próprios adultos, e vez por outra solte alguma lição de moral inocente. Como podemos ver, há um campo vasto ocupado pela produção a não perder qualquer espectador que seja, povoando a narrativa com ideias já utilizadas à exaustão, deixando o quadro geral bem dentro do esperado. 

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Apesar disso, a química entre pai e filho é o grande motivador de Desfile de Corações, roubando a cena de um romance esperado e banal. Michal Czernecki e o diminuto Iwo Rajski vendem a cumplicidade nascida entre homens solitários, sem uma figura feminina que os amarre em sensibilidade e disciplina, muito bem. Os atores têm carisma de sobra e conseguem sobrepor à cansativa história e seu andamento protocolar com uma invejável demonstração de afeto genuíno. São eles a contagiar a produção, e promover a gradual aproximação de Magda até eles – mesmo que a jovem moçoila sofra de um trauma envolvendo cachorros, e seja tão elétrica a ponto de não permitir que a calma reinante seja minimamente acessada para desligar seus motores. 

Além de tudo, o longa de Filip Zylber (do ainda inferior Amor²) tropeça em um lugar que poderia ser considerado uma espécie de xenofobia, mas da qual não me debruço muito. A Polônia retratada no filme é um filme cheio de contradições internas, e o filme alimenta algo parecido com uma rixa boba entre Varsóvia e Cracóvia, apresentando um povo como trabalhador e desligado de afeto, e o outro como extremamente calmo, quase entrando em uma situação pitoresca bizarra. Como não tenho ideia dessas características locais, e Desfile de Corações já guarda uma carga pesada de problemas para tratar, fico na seara da inadequação de algumas piadas. No mais, é uma produção típica da média netflixiana – assistimos e promovemos o sucesso nessa semana, e na próxima algo muito similar virá ocupar esse lugar, para serem ambos esquecidos mês que vem. 

Um grande momento
O conselho de Wiktor a Magda 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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