Crítica | Streaming e VoD

Combinação Perfeita

Impossível parar de ver

(A Perfect Pairing, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Stuart McDonald
  • Roteiro: Hilary Galanoy, Elizabeth Hackett
  • Duração: 101 minutos

Todos os dias, é “uma estreia da Netflix mais genérica que a outra” diferente. Não tem muito pra onde correr: todos irão assistir Combinação Perfeita, por motivos quase insondáveis – ou não, tentarei dissecar nas próximas linhas – e esse filme chegará fácil até os mais assistidos do dia, quiçá da semana, oxalá do mês. O que ele tem de especial que o diferencie de Toscana, A Caminho do Verão, Granizo e tantos outros? Nada. É mais um título que, a exemplo do que pode ter sido comentado nesses textos e em alguns muitos outros, ficará a disposição da plataforma durante um tempo X de superexposição, para em seguida seguir irrelevante formando um pacote cada vez maior, cuja relevância se apresenta ocasionalmente. Ainda assim, o público para esse título descartável é nunca menos que muito alto, ainda que raramente ele cruze o limite de 20 dias de burburinho. 

Público pouco seletivo, ou necessariamente espectador interessado no escapismo que a fantasia provoca, são questões que precisam ser discutidas, mas está nessa zona de localização as respostas. O filme dirigido por Stuart McDonald (operário-padrão de um número incalculável de séries descartáveis), apenas na sua segunda incursão em longa metragem, é um bolo de noiva encomendado a uma enorme cadeia de confeitarias: sem qualquer coisa que torne seu gosto diferenciado. Lindíssimo de se ver, candidato perfeito para estampar em fotos do instagram pela popularidade inacreditável de sua marca, mas absolutamente esquecível. E com um recheio tão artificial que nos leva a questionar se há um chef por trás da criação desses pratos, e o pior é que há; ele só trabalha menos do que deveria. 

Combinação Perfeita
Vince Valitutti/Netflix

Sintam o lance: uma jovem executiva de uma importadora de vinhos em ascensão se demite após ter descoberto uma conta provavelmente milionária de uma vinícola australiana, roubada na cara dura por uma amiga da onça. Cria então uma pequena empresa para cuidar de seus projetos pessoais, mas decide ir à forra contra os seus antigos colegas, despencando até a Austrália para conseguir a conta para si. Lá chegando, vai se apaixonar pelo misterioso capataz que trabalha na fazenda da dona da vinícola, além de precisar trabalhar como ajudante da tal fazenda, começando bem por baixo na linha de produção de um campo de tosquia de ovelhas. Podemos contar com um romance que demora a sequer dar as caras, cenas cômicas/graciosas a respeito da rotina de trabalho em uma fazenda, rivalidade feminina entre mulheres que se transforma em admiração mútua, enfim, um poço sem fundo de obviedades.

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Na verdade, o que salta aos olhos do espectador em relação a Combinação Perfeita é um dado nada positivo, mas que não é exatamente uma questão observada com frequência, em se tratando de Netflix. Tudo em sua ambientação soa plastificado, quase como se estivéssemos assistindo ao melhor e mais caro show de fantoches já realizado no mundo. Dos figurinos aos cenários, não consigo entender porque o filme resolve esconder as câmeras e os fios do ambiente do set, já que pouquíssima coisa em cena traduz qualquer realidade. Em dado momento, os protagonistas Lola e Max dormem em uma “cabana” ao léu: pois bem, nenhum milímetro do que é visto se mostra crível; do pasto onde estão, passando pelo estranhíssimo posto para dormir, até a noite estrelada no céu, estamos vendo o show de Truman – não, não o filme dirigido por Peter Weir, mas a cidade fake onde Truman Burbank nasceu e cresceu. 

Combinação Perfeita
Vince Valitutti/Netflix

Enquanto escrevo o texto, me pego pensando se a Netflix não ganharia assumindo tal plastificação até as raias do absurdo, criando uma parábola sobre pessoas presas em longas absolutamente descartáveis e sem possibilidade de fugir do “filme-prisão”. Veja, o crítico consegue rapidamente bolar uma saída alternativa para transformar a “Barbie Fazendeira Latina” em um produto com algo a dizer, enquanto o filme não tem nada a comunicar de concreto. Apenas mais um amontoado de clichês, com viradas “tão naturais quanto a luz do dia” (um abraço aqui de baixo, Chorão!) em cenários que funcionariam da mesma maneira protagonizados por Victoria Justice ou Thalía. Impressiona que tenham visto inclusive os sets prontos e alguém tenha declarado a respeito da credibilidade dos mesmos. Detalhe: não só a fazenda, a casa do pai de Lola parece retirada inteira de um catálogo da Tok Stok. 

Além de tudo, o filme parece um grande resumo, e não estou falando de seu roteiro – esse, não tem salvação mesmo, e nem parece se importar muito com isso. Mas com todo o resto por onde circula, dando essa impressão contínua de falsidade sem eloquência. Lola parece que mora acima da casa do pai, mas só a vimos na sala do mesmo – lógico, só construíram isso do cenário. A dinâmica da fazenda, onde temos contato com um peão, três peoas e… o resto é praticamente “móveis e utensílios” do conjunto. Já comentei sobre a mais ridícula briga de bar da História do cinema? E sobre a maquiagem da nova peoa, constantemente perfeita mesmo acordando às 5 da manhã para trabalhar? Diante de tudo que foi citado, qualquer outra coisa a mais – tais como o talento do elenco, decisão final de perdoar uma sociopata, o pai e sua sexualidade bastante indefinida – soa mais irrelevante que esse amontoado de detalhes bizarros. A nota 1 vai para o sentimento de guilty pleasure que permeia tudo; é impossível parar de ver Combinação Perfeita, mesmo com ele sendo tão… isso tudo (nem a palavra “ruim” eu consigo escrever para descrever – e voltamos ao início do texto… viram por quê faz sucesso?).

Um grande momento
A briga de bar – olha, só vendo!

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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