- Gênero: Comédia, romance
- Direção: Gerardo Gatica
- Roteiro: Gerardo Gatica
- Elenco: Jesús Zavala, Ximena Romo, Verónica Castro, Héctor Bonilla, José Carlos Ruiz, Gabriel Nuncio, Manolo Caro, Andrés Almeida
- Duração: 95 minutos
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Como subgênero, a comédia romântica teve que se reinventar. Impossível que a estrutura se mantivesse a mesma com toda a revolução e conscientização de gênero que aconteceu com o passar do tempo. Estabelecida sobre os pilares do amor romântico e vários outros preceitos morais patriarcais, a maioria dos filmes trazia histórias de mulheres tidas como incompletas até que encontrassem aqueles que preencheriam o seu vazio existencial, emocional, físico e até mesmo financeiro. De finais eternamente felizes que coincidissem com aquilo que cresceram ouvindo desde a mais tenra idade nas histórias antes de dormir ou nas telas em animações americanas; ou na semelhança às cobranças familiares ouvidas das ou para as tias mais próximas “cadê os namorados”, “acho que ele está apaixonado por você”, as mulheres foram quase que treinadas para receber esse tipo de conteúdo de entretenimento. Em um formato que até então não tinha nada de saudável.
O tempo passou, as prioridades mudaram, alguns passos foram dados, a posição da mulher dentro da própria indústria cinematográfica virou outra e, com isso, a representação e a representatividade também teve que se transformar. Se exceções se restringiam a nomes muito específicos do passado, já no final dos anos 1990 e começo dos 2000, novas personagens começaram a surgir nas telas, ainda rodeadas de traço vacilantes, mas com mudanças importantes, como Kat Stratford, Elle Woods, Andie Anderson e Margaret Tate. Embora enroladas ali pelo meio do caminho, todas elas são mulheres fortes, dedicadas e interessadas em suas próprias questões e em contrariar aquilo que é tido como o esperado e determinado há séculos para o gênero. Estruturas se modificam, passos são dados e a representação acompanha isso numa posição de confirmação e propaganda.
Obviamente que o tempo dessas mudanças de representação é relativo e também está sujeito a outras questões como, por exemplo, a interferência da religião nos costumes de uma microsociedade. Pensando em uma indústria dominada por um país que se enxerga como a bússola moral do mundo, mesmo com todo seu racismo, machismo, xenofobia, massacres escolares, ataques a direitos civis, é natural que, mesmo que as personagens encontrem outros propósitos e motivações, é impossível filmes do gênero libertos de tudo, mesmo que tentem. O trabalho de romper com cada traço dessa estrutura — alguns deles de presença desconhecida — não é nada simples. Lissette Feliciano, em seu Women Is Losers, fala bem sobre essa contradição entre imagem, posicionamento, consciência e representação. São posturas e disposições que ganham corpo à medida que novas barreiras são derrubadas.
Como quase todo o cinema ao redor do mundo, o México também sofre muita influência daquilo que consome diretamente de seu vizinho de continente. Quando se olha especificamente para a cinematografia do país latino, principalmente para sua produção mainstream, dois traços podem ser identificados: o grande apelo das comédias, e um resquício, cada vez menos perceptível, mas ainda lá, da presença da teledramaturgia. Em paralelo, extra tela, a noção de toda a estrutura religiosa e patriarcal do país. Diga-me Quando dá um passo para romper com grande parte desses pontos. A associação com Marc Webb é fácil, mas não é possível comparar a precisão e o controle da história de Tom e Summer com a leveza e aleatoriedade com que as coisas se organizam aqui.
Enquanto Will segue uma linha escancarada, óbvia, Dani vai se revelando aos poucos, fugindo de uma fórmula tradicional do subgênero e de determinações de personagens que podem passar despercebidas até para os mais treinados. Então, de pronto, Diga-me Quando se posiciona num lugar bem confortável comercialmente, por ser uma comédia e trazer nomes idolatrados da televisão mexicana no elenco, e ousa por fazer com que a determinação da paixão, ponto primordial, esteja em outra cadência. Ao retirar as molduras de seus protagonistas, num trabalho de construção que parece coletivo, Gatica encontra nuances, principalmente na elaboração da estrutura de Dani, que contrariam muito o padrão “mocinha abandonada/ desiludida busca/encontra um novo amor”, mas, como dito, nada que resista muito tempo a toda influência e força do que está tão cristalizado dentro de cada um.
Ainda assim, é impossível não destacar as mudanças. Diga-me Quando vai além do romance e fala de identificação e de descoberta, de origem e raízes, costurando tudo isso em um roteiro desprovido de presunção e artimanhas. Quando parte para o México em busca de sua história, Will — meio óbvio até — quer cortar as amarras e encontrar o seu jeito de narrar a experiência. É comum o cinema de gênero servir como meio para abordar questões mais complexas e o resgate das origens, nessa ruptura com a colonização, pode vir em forma de descoberta fofa, como a paixão associada à descoberta da Cidade do México no ticar de uma lista de lugares que marcaram a vida daquele que abandonou o lugar para viver o “sonho americano”. A quebra de Will com a sua estabilidade está nessa “subversão” do gênero cinematográfico, na forma do roteiro, na composição dos personagens, no mudar o que sempre foi determinado como certo, mesmo que não se consiga fugir de tudo. Claro que ainda há uma idealização, uma romantização, tudo é muito cosmetizado e diferente da realidade. É uma relação muito direta com a aproximação de gênero sexual que sempre existiu na comédia romântica, as mudanças são óbvias, mas marcas e resquícios são evidentes.
Isso faz o mergulho em Diga-me Quando — um filme relativamente despretensioso, lançado durante a pandemia Covid-19 e que encontra em sua leveza um acalanto para a dureza do momento — ser algo muito mais interessante. É, sim, uma história de amor que fala do tempo e do respeito ao tempo, como diz o seu título, mas que está falando também de uma enorme quantidade de outras coisas e que, mais do que isso, traz significados que vão muito além do básico que uma comédia romântica entrega à primeira vista. É um exemplar que funciona nas camadas que quer: o consumo rápido para quem quer sentar e passar o tempo, e a divagação para quem quer ver um algo a mais. Um exemplar curioso, que tem lá os seus deslizes, seus tropeços de principiante, já que é a primeira direção de Gatica, mas ganha pela intenção e pelo coração.
Um grande momento
Borracho