Sequestro Relâmpago é um longa dirigido por Tata Amaral, que conta a história de Isabel (Marina Rui Barbosa), uma jovem de 25 anos que, à noite, nas ruas de São Paulo, é abordada por Matheus (Sidney Santiago), que lhe pergunta as horas, afim de distraí-la e, posteriormente, se aproxima e consuma o ato de constrangê-la a entrar no veículo, para levá-la pela cidade e sacar dinheiro para ele, com o auxílio de seu comparsa, Japonês (Daniel Rocha).
O filme faz questão de evidenciar os privilégios da vítima branca e a realidade pobre dos sequestradores, sempre buscando reafirmar a diferença entre as classes sociais dos envolvidos no crime (vítima e criminosos), deixando claro que a realidade de um em nada se confunde com a realidade de outro, bem como que a situação financeira e o conhecimento sobre os mais diversos assuntos varia conforme o personagem.
Para além da evidência de discrepâncias entre classes sociais, o filme ainda faz críticas sociais que perpassam a análise do machismo estrutural, evidenciado no comportamento de pessoas que não ajudam uma mulher em perigo, quando o homem agressor se diz seu marido; e os privilégios que uma mulher branca têm, quando, por exemplo, pode passar em uma blitz, sem medo de ser abordada.
A trama do filme foi baseada na história de Ana Beatriz Elorza, uma artista visual que saiu para beber com os amigos e, ao ir embora do bar, foi abordada por dois assaltantes, que a constrangeram a entrar em seu veículo e parar em um caixa eletrônico, para efetuar saques e lhes entregar o dinheiro, mas como já se passava das 22h, decidiram mantê-la em cárcere, durante 12h, para, no dia seguinte, conseguirem o dinheiro.
O filme, além de seu apelo social, traz à tona um importante debate jurídico no tocante à figura do sequestro relâmpago, tipificada, de forma expressa, no Código Penal, a partir de 2009, após fortes comoções sociais causadas como reação a vários crimes de sequestro relâmpago que estavam acontecendo por todo o País.
A figura do sequestro relâmpago, assim nomeada, não existia expressa no Código Penal, motivo pelo qual a mídia fazia questão de anunciar para a população que o indivíduo poderia ser condenado a penas brandas, ou até ser absolvido, já que o tipo penal sequer existia.
No ano de 2009, para piorar, a Anistia Internacional, em seu relatório, evidenciou que “o sistema de justiça criminal brasileiro continuou a se caracterizar por negligência, discriminação e corrupção. Apesar do registro de algumas reduções nas taxas totais de homicídio, as comunidades carentes dos centros urbanos e as cidades menores do interior continuaram a registrar índices elevados de criminalidade violenta e de homicídios. Constatou-se que alguns indivíduos dos quadros das forças de segurança e dos órgãos de aplicação da lei estavam envolvidos com grupos de extermínio, com milícias e com atividades criminosas.”.
A população leiga, portanto, ciente da onda de sequestros relâmpagos que assolava o País, tendo a notícia de que os índices de criminalidade violenta estavam elevados, e com acesso à equivocada informação de que “não existe o crime de sequestro relâmpago no Brasil”, não demorou para reivindicar a criação do tipo penal com severas penas para aquele que, mediante restrição de liberdade da vítima, a constrangia para obter vantagem econômica.
Os legisladores, em busca de tomar medidas populistas, para agradar seus eleitores, de pronto, apresentaram o projeto de lei para tipificar a figura do sequestro relâmpago, o qual foi aprovado em março de 2009, ensejando na lei 11.923/2009, que acresceu um novo parágrafo ao art. 158 do Código Penal.
Várias críticas de juristas à lei supramencionada foram feitas, afinal, apesar de “não existir o tipo penal de sequestro relâmpago no Brasil”, a jurisprudência e doutrina já haviam criado soluções inteligentes e eficazes para a correta punição do agente delitivo que praticasse tais crimes, analisando o caso concreto e definindo se o agente deveria ser condenado pela prática de roubo majorado, extorsão simples ou extorsão mediante sequestro.
Os crimes nos quais se enquadravam os delitos de sequestro relâmpago cometidos antes do advento da nova lei, já estavam devidamente dispostos no Código Penal, em seus artigos 157, §2º, inciso V; art. 158; e art. 159, de modo que deveria a(o) magistrada(o), quando da análise do caso concreto, definir em qual tipo penal se enquadrava o agente delinquente:
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:
V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º – Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.Art. 159 – Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:
Pena – reclusão, de oito a quinze anos.
Verifica-se, portanto, que, diante dos tipos penais pré-existentes, o trabalho da promotoria, na hora de oferecer a denúncia, e da(o) magistrada(o), na hora de condenar, deveria ser o de analisar as características do crime consumado: se o indivíduo iniciou o roubo e, depois, sequestrou a vítima; se o indivíduo já sequestrou no intuito de forçá-la a lhe garantir vantagem econômica; ou se a restrição de liberdade foi com o objetivo de fazer terceiros pagarem pelo resgate da vítima.
Para auxiliar aplicação prática dos dispositivos penais, a doutrina apresentou algumas soluções, valendo destacar Guilherme de Souza Nucci, que dizia ser o sequestro-relâmpago um crime que se amolda ao art. 157, §2º, V; e Luis Régis Prado que, fazendo uma contrapartida, dizia que o crime deveria ser tipificado no art. 157, §2º, V, se, e somente se, a privação da liberdade da vítima se desse como meio de execução do crime de roubo. A maioria da doutrina, portanto, seguia o entendimento de que o sequestro relâmpago se enquadrava ao roubo majorado.
Contudo, o legislativo, na gana de causar comoção social, através da criação de um novo tipo penal, aprovou a Lei 11.923/2009, de forma simbólica e completamente desnecessária, causando mais confusão do que acerto, afinal, a tipificação do crime já existia, em que pese não ter o nome específico de “sequestro relâmpago” e os criminosos que consumaram o crime antes do advento de tal lei já haviam sido devidamente condenados.
A redação do novo tipo penal restou disciplinada da seguinte forma:
Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.
Duras críticas foram feitas ao dispositivo acima, primeiramente em razão da confusão que o texto causa, haja vista que seu conteúdo parecer uma grande junção dos artigos 157, §2º, V, 158 e 159, do Código Penal, chegando a ser repetitivo e desnecessário.
Ademais, juristas apontam a desproporcionalidade da pena arbitrada pelo legislador, que aumentou as penas mínima e máxima dos crimes de roubo majorado e extorsão simples, fazendo uma média entre eles e a extorsão mediante sequestro (do art. 159), mantendo a pena do novo tipo penal entre aquelas pré-existentes nos outros tipos, o que soa como uma atecnia, para alguns.
Por outro lado, há, ainda, quem critique o fato de a nova tipificação ter sido mais branda, afinal, quando o crime era praticado nas condições previstas no art. 159, CP, consequentemente, era tratado como um crime hediondo, mas sendo ele enquadrado no novo tipo penal, não haveria mais tal hediondez do crime. Quanto a este ponto, deixo minha ressalva, haja vista que o tipo previsto no art. 159, CP trata exclusivamente de sequestro para resgate.
O fato é que, em que pese se dizer que o crime de sequestro relâmpago surgiu no Brasil em 2009, com o advento da lei 11.923, o que, de fato, ocorria, era a prática de tal crime e seu enquadramento em outros tipos penais, variando de acordo com as particularidades do caso concreto, para se evitar a impunidade dos agentes delitivos, ou seja, o crime já existia e já era devidamente punido antes do advento de tal lei.
(Sequestro Relâmpago, BRA, 2018, 85 min.)
Drama | Direção: Tata Amaralr | Roteiro: Marcelo Brennand, Fernando Honesko |Com: Marina Ruy Barbosa, Daniel Rocha Daniel Rocha, Sidney Santiago