(Diz a Ela que Me Viu Chorar, BRA, 2019)
Durante o governo de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo, algumas medidas foram tomadas para a ressocialização de dependentes químicos. Programas de apoio foram lançados e, entre eles, foram criados os hotéis sociais, locais onde viciados em crack poderiam ficar abrigados. Foi em um destes locais que Maíra Bühler encontrou o tema de seu documentário Diz a Ela que me Viu Chorar.
Completamente à margem da sociedade, e um dos grupos mais discriminados por ela, os adictos deixaram de ser vistos como ser humanos. Independentemente de sua condição clínica, sumariamente ignorada por aqueles que não entendem políticas de acolhimento, ultrapassaram a fronteira da invisibilidade social e são tratados como indesejados, descartáveis e transtornos.
Os hotéis não chegavam a ser uma solução para um problema, que está longe de ter sua solução definida, mas preocupavam-se com a humanização dessas pessoas, com a conscientização de seu lugar enquanto cidadãos. Mas isso não estava entre os interesses do governo seguinte ao que criou os locais. Após o fechamento várias pessoas voltaram à situação de rua e nela se encontram até os dias de hoje.
Quando Maíra descobre o seu objeto e o expõe, imediatamente é possível determinar qual é a ideologia por trás da obra, o que não é nenhum problema quando isso é deixado claro ao espectador, e aqui é. Antropóloga de formação, ela quer mergulhar no universo daquelas pessoas e demonstrar o quão humanas são. Faz isso silenciosamente, de maneira observacional, o menos interferente possível.
Com belas imagens de Léo Bittencourt, conhecemos os anseios, sonhos, desejos, angústia e solidão de pessoas que tentam sobreviver ao vício e ao mundo que não as aceita. Diz a Ela que Me Viu Chorar é um filme doído, perturbador, que provoca a reflexão necessária quanto ao não olhar que se dá para essas pessoas, o quanto aquelas existências estão reduzidas à incompreensão.
Porém, embora atinja o seu principal objetivo, há um custo que talvez leve ao mesmo lugar de dificuldade de interação e acesso, talvez. Quando abre sua lente para expor aquelas pessoas, quando as propõe ao espectador como objeto conscientizador, há uma preocupação com a causa que talvez não chegue aos indivíduos. Aquelas pessoas expostas conseguem, principalmente quando sob efeito da droga, ter a real dimensão de o quanto elas estão aparecendo?
Apesar disto, que é muita coisa, Diz a Ela que me Viu Chorar trata de um tema urgente, de uma doença que se alastrou pelas cidades e justificou ainda mais a exclusão social, criou um novo universo de excluídos, repudiado pela sociedade e ignorado pelo governo. É preciso olhar para eles, sem dúvida.
Um Grande Momento:
“Diz a ela pra voltar pra mim”.
[43ª Mostra de São Paulo]