Crítica | Festival

Pai Mãe Irmã Irmão

Com as bençãos de Altman

(Father Mother Sister Brother , EUA, ITA, FRA, ALE, IRL, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama, Comédia
  • Direção: Jim Jarmusch
  • Roteiro: Jim Jarmusch
  • Elenco: Tom Waits, Adam Driver, Mayim Bialik, Charlotte Rampling, Cate Blanchett, Vicky Krieps, Indya Moore, Luka Sabbat
  • Duração: 105 minutos

Jim Jarmusch, em tese, dispensaria comentário, mas como vivemos em tempos de novíssima cinefilia, um nome como o dele não pode ser restrito a algum cânone estanque. Autor de obras inesquecíveis como Estranhos no ParaísoDaunbailó (que deve ser o melhor/pior título em português na História), Uma Noite sobre a TerraDead ManGhost DogPaterson e tantos outros, finalmente ele levou o maior prêmio de sua carreira, no último Festival de Veneza. Pai Mãe Irmã Irmão foi um vencedor do Leão de Ouro tão questionado quanto o anterior, para O Quarto ao Lado, e todos correram para decretar que Jarmusch tinha ocupado o lugar de Pedro Almodóvar, em premiação pela carreira. Não é justo com seu novo filme ser encarado como uma pedra menor, quando suas potências existem. 

Talvez seja engessado em formato apresentado, três episódios onde a interligação são os laços de sangue entre seus personagens de cada passagem, além de frases e elementos que se repetem e se desconstroem a cada novo episódio. É inclusive curioso que esse filme tenha vencido um festival, porque sua estrutura justamente é um dificultador de unanimidade; quantas vezes não nos pegamos pensando qual o melhor episódio de tal filme? Pai Mãe Irmã Irmão não foge dessa regra tácita, mas em seus melhores momentos (a primeira passagem inteira e grande parte da segunda) o filme alcança as alturas. E mostra porque o cineasta continua intacto quando precisa desenvolver personagens e situações, todas se conectando de maneira firme com o discurso. 

A primeira história, ‘Pai’, é a mais leve, e também é a melhor desenvolvida. Tom Waits é o pai de Adam Driver e Mayim Bialik, e eles vão visitá-lo depois de certa ausência. Ao chegar, encontram uma realidade decadente, e ao contrário do que se espera ao tema, Jarmusch cria um desenvolvimento que passeia entre a comédia e o constrangimento. É o mais fechado dos três, ainda que todas as histórias se encerrem entre quatro paredes, onde acertos de contas emocionais precisam ser desenvolvidos – ou não. Waits tem claramente a melhor performance de todo o projeto Pai Mãe Irmã Irmão, abusando de uma persona que vai se desdobrando na nossa frente, e maravilhando cada vez mais. 

A segunda história, ‘Mãe’, também um encontro entre duas gerações é colocada à prova. A diferença é que esse almoço entre Charlotte Rampling e suas filhas Cate Blanchett e Vicky Krieps acontece com alguma regularidade; nenhuma das três, no entanto, consegue admitir a burocracia do ato, movendo-se para o evento quase como para uma tortura. Nesse segmento, talvez o excesso de pose impeça a realização de mostrar maior desenvolvimento, com a situação estanque, cuja apresentação não evolui. Estamos falando de um trio bárbaro de atrizes, que não deixam de apresentar minúcias em suas falas, sempre contribuindo para o prazer do espectador, que segue embevecido por suas intérpretes. Aqui, também um certo teor de constrangimento está no ar, sem resolução. 

A terceira história, ‘Irmã Irmão’, é a que Jarmusch mais confia à emoção, mas é aqui que Pai Mãe Irmã Irmão menos fornece benefícios. A começar pela atuação pouco inspirada de Indya Moore, que não consegue fazer o filme passar por si em nenhum momento. Dessa forma, Luka Sabbat precisa segurar sozinho o episódio, e embora eles tenham química e cumplicidade em cena, Moore, quando exigida, não corresponde. O filme perde muito com essa história bem mais sóbria, onde as anteriores exalam ironia e leveza. Aqui também os problemas de captação das cenas no interior de automóveis são mais risíveis, e isso é um problema atual de produções de cinema; tudo é falso nesse sentido, e a artificialidade inclusive dos atores que não parecem saber fingir estar em um carro em movimento diminuem suas considerações. 

Ainda assim, Pai Mãe Irmã Irmão é uma produção cuja marca registrada recente de Jarmusch se faz presente, e mostra-se ainda afiada com suas provocações. 

Um grande momento

O relógio do pai 

[49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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