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Legado nos Ossos

(Legado en los huesos, ESP, ALE, 2019)

  • Gênero: Suspense
  • Direção: Fernando González Molina
  • Roteiro: Luiso Berdejo
  • Elenco: Marta Etura, Nene, Leonardo Sbaraglia, Francesc Orella, Imanol Arias, Benn Northover, Itziar Aizpuru, Patricia López Arnaiz, Alicia Sánchez
  • Duração: 121 minutos
  • Nota:

Um exercício interessante pode ser feito a partir da experiência de assistir Legado nos Ossos, que é o tomo do meio de uma trilogia literária policial que foi transposta para o cinema por Fernando González Molina e acompanha a detetive Amaia Salazar em uma tríade de investigações que se costuram. O filme é o exemplar seguinte a O Guardião Invisível e será encerrado por Oferenda à Tempestade, já filmado, e, de maneira impressionante, funciona sozinho, sem precisar se estabelecer como muleta do longa anterior – embora logicamente eles se completem, o filme se constrói como narrativa autônoma de forma muito bem sucedida, o que justifica conhecer o universo no qual ele se baseia em caráter desordenado.

Tendo em vista outro conto policial lançado há pouco tempo, O Silêncio da Cidade Branca, a saga da jovem policial Amaia cresce muito porque, apesar dos elementos ligados à tradições macabras através dos tempos, é uma narrativa mais enxuta e menos pretensiosa, tendo a diversão como atrativo sem contraindicação. Não há aqui uma tentativa de se fazer mais imponente do que se pode, nem de elaborar graficamente uma trama já imersa em elementos fora da curva habitual. Trata-se unicamente de uma elaborada construção de caso policial onde a personagem principal vê sua própria história tecer e determinar os desdobramentos da resolução dos casos, que parecem chamar por sua presença.

Legado nos Ossos (2019)

Amaia é uma personagem muito bem desenvolvida em composição conjunta, da autora Dolores Redondo, do roteiro de Luiso Berdejo e da atriz Marta Etura. Enquanto tem as inclinações típicas do universo investigativo-policial, o filme também absorve a história pregressa da personagem ao campo narrativo, unindo o passado e o presente. O que Legado nos Ossos em particular complementa é associar o futuro à equação, ainda associando os componentes que só Amaia pode adicionar à mistura no gênero, o feminino. A protagonista acaba de voltar da licença maternidade, e suas obrigações maternas e matrimoniais sutilmente fazem a investigação desandar no que concerne a seu envolvimento, tanto no âmbito privado quanto o público, que já é absoluto porque sua família está envolvida diretamente nos eventos.

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Legado nos Ossos (2019)

Ainda que os demais personagens não sejam tão bem desenvolvidos quanto a protagonista, a obra gira em torno dela, então essa é uma questão menor neste caso específico. O que mais incomoda em Legado nos Ossos são as suas características literárias, que atrapalham a fluência da trama, o que é relativamente comum em se tratando de adaptações. Por exemplo, há no longa uma trama que envolve a profanação de igrejas que se imagina, durante muito tempo, parte integrante da totalidade dos eventos a serem desenrolados; se no livro essa história pode ser melhor desenvolvida, no filme ela é simplesmente um apêndice desnecessário e gratuito, sem qualquer profundidade maior que não apenas confundir o espectador.

Logo, a condução de Molina se transforma quando unicamente nos envolve em sua seara cinematográfica, de gênero. O entretenimento que o filme propõe é genuíno e tem seu mérito, além das camadas pouco vistas no cinema policial, como o desdobramento feminista. É nesse breve lugar híbrido, ao unir emoções baratas – que incluem até uma enchente no clímax – à observação rara do lugar de fala em um ambiente tão masculinizado, que Legado nos Ossos festeja sua independência, e se faz necessário. Com direção de arte esmerada e buscando a adesão do espectador que espera diversão ligeira, o filme acaba por ser uma inesperada surpresa.

Um Grande Momento:
A enchente.

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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