(Qu'importe si les bêtes meurent, FRA, MAR, 2020)
Em uma afastada vila do Marrocos, pai e filho cuidam de seu rebanho. À primeira vista, E daí, se o Rebanho Morrer? não irá muito além daqueles típicos filmes sobre questões geracionais e transmissão de responsabilidades em um lugar bucólico. A expectativa, porém, se quebra logo na primeira movimentação mais efetiva.
Sofia Alaoui destaca a importância da religião para aquela relação e cada um daqueles indivíduos. O que seria um detalhe, se mostra grande em uma cena que coloca nas mãos de Alá, o Deus muçulmano, toda ventura ou desventura que surja pelo caminho. O tempo que a diretora dispensa à cena pode parecer desequilíbrio, mas se justifica completamente com o caminhar da história.
A trama de E daí, se o Rebanho Morrer? é cheia de deslocamentos, medo do não encontrar e espaços vazios. O caminho natural se perde, no melhor sentido da palavra, quando a segunda quebra leva ao fantástico e à centelha de quebra da crença. A contemplação dá lugar ao estranhamento e ao inusitado, o ritmo de transforma e o espectador se junta ao personagem na tentativa de entender o que está acontecendo.
Embora haja toda essa aproximação, o lugar seguro de quem vê contrasta radicalmente com a ansiedade de quem vive. E, não esqueçamos, uma ansiedade permeada pela crença religiosa. Se algo não se explica logicamente, o Alcorão e os hadiths certamente tem algo parecido que pode fazer entender o evento (e aqui estamos falando do islã, mas é algo que acontece em qualquer religião).
O nonsense que toma conta da trama a leva ao humor. O homem sozinho na cidade que foi toda para a mesquita, a mulher que pega o filho e vai embora, e o protagonista perdido no meio de tudo isso, sem saber o que fazer ou achar. Embora haja facilitações no roteiro, Alaoui consegue amarrar bem seus eventos.
O contraste entre os trajetos – da ida tranquila à volta desesperada – é bem demarcado. O espaço vazio, o plano aberto e a luz do dia se transformam em escuridão e planos fechados. O medo daquele homem se torna visível e leva ao questionamento: qual é a participação da construção metafísica dos credos naquele pavor? E o que acontece quando essa fé é desafiada por eventos que nenhum hadiths jamais professou? E daí, se o rebanho morrer?
Um grande momento
“Onde está todo mundo?”