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Efeito Pigmaleão

(La vie scolaire, FRA, 2019)
Comédia
Direção: Mehdi Idir, Grand Corps Malade
Elenco: Zita Hanrot, Liam Pierron, Soufiane Guerrab, Moussa Mansaly, Alban Ivanov, Antoine Reinartz, Ibrahim ‘Facher’ Dramé, Moryfère Camara, Gaspard Gevin-Hié, Mahamadou Sangaré, Redouane Bougheraba, Hocine Mokando, Aboudou Sacko
Roteiro: Mehdi Idir, Grand Corps Malade
Duração: 111min.
Nota: 5 ★★★★★☆☆☆☆☆

Efeito Pigmaleão

Já se institucionalizou quase como um subgênero do cinema o mote “professor idealista ajuda uma classe de alunos desajustados a tomar rumo na vida, e passa de perseguido a herói”. Há mais de 50 anos que inúmeras produções continuam a saturar o tema, que já rendeu desde veículo para Sidney Poitier (Ao Mestre, com Carinho) até indicado ao Oscar (O Preço do Desafio), de hit de bilheteria (Mentes Perigosas) a vencedor da Palma de Ouro em Cannes (Entre os Muros da Escola), passando por inúmeros outros títulos em diferentes resultados qualitativos porém com pontos de partida comuns e a mesma boa intenção de mostrar o resultado da reformulação pessoal através da educação.

Efeito Pigmaleão não tenta inventar a pólvora na fórmula e praticamente só sacode seus elementos habituais em roupagem atraente e charmosa. O título original em francês, a vida escolar, é bem direto quanto ao recorte específico escolhido aqui, de criar uma teia que apenas se concentre nas camadas de eventos que um punhado de alunos problemáticos apresenta durante um ano letivo, sob os olhos de uma jovem e recém chegada orientadora pedagógica. Essa personagem central acaba de chegar à escola-cenário da produção (outro tique habitual dessas produções) e tem uma motivação plus aos valores acadêmicos que exibe na superfície. Essa outra motivação, apesar de conferir molho suculento a seu perfil, nunca o tira do rumo previsto, logo funciona como um apêndice desnecessário e mal aproveitado.

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Efeito Pigmaleão (2019)

Entre os alunos também habitualmente um indivíduo carrega a importância para o centro narrativo, e aqui trata-se de Yanis, um jovem de origem árabe que acaba conseguindo especial atenção de Samia, ela filha de argelinos. O filme começa a tratar os deslocamentos esperados de ambos os protagonistas sem nunca ultrapassar esse paralelismo das questões superficiais, apenas os colocando em espelhamento para situar seus pontos e criar soluções imagéticas favoráveis ao trabalho da direção, a cargo de Grand Corps Malade e Mehdi Idir, mas sem complexificar essas relações e suas motivações, particulares ou conjuntas. Há uma tentativa de amplificar o escopo que acaba por não particularizar nenhuma vida ali.

Já do ponto de vista visual, o filme explora suas capacidades para tentar diferenciá-lo dos inúmeros já produzidos – inclusive a própria França se empenha ultimamente em sempre voltar a essa estrutura narrativa que parece não cansar produtores e realizadores. A dupla de diretores de Efeito Pigmaleão parece ter consciência de que todos os lados dessa questão já foram mostrados e surpreende o espectador ao contribuir ao filme com imagens inusitadas repletas de trucagens, que nunca poluem sua narrativa e ainda parecem claramente antenadas com um espírito jovem e rebelde, capturando uma essência tanto do nosso tempo quanto daquela fatia social emocionalmente carente e financeiramente marginal.

Efeito Pigmaleão (2019)

O esquema proposto pelo roteiro a princípio parece instigante e fresco, mas gradativamente essa estrutura se mostra ineficaz em tentar nos conectar no cerne daquelas motivações. São inúmeras vozes em casos diferentes de importância e níveis diversos de gravidade que passeiam pelo longa sem demarcar terreno o suficiente para suscitar atenção. O corpo docente sim parece ter uma vida mais esmiuçada – embora nada acima do normal, apenas o suficiente para se destacarem dos alunos. E aí reside a dúvida de que talvez não tenha chegado o momento de investir nesse lado da equação, que tem bem menor representatividade cinematográfica enquanto grupo social. As cenas que envolvem a comunicação entre professores acabam soando mais orgânicas e gerando interesse superior.

Um ponto interessante que fica como dado de raro relevo do filme é sua investida na naturalidade quase plena de acontecimentos e problemas. Yanis é um jovem que não se insere em um turbilhão de malfeitos ou tem questões insolucionáveis, assim como Samia tem uma realidade muito pacata e com os sobressaltos bastante pormenorizados, sem arroubos, gritarias constantes ou questões gigantes. A despeito de não realçar essas vidas a ponto de torná-las evidentes, Efeito Pigmaleão os aborda sempre com respeito e sem exploração, realçando o que cada um ali tem de mais comum.

Um Grande Momento:
A fusão das festas.

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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