Crítica | Outras metragens

Embaraço

(Embaraço, BRA, 2018)
Documentário
Direção: Mirtes Agda Santana
Roteiro: Mirtes Agda Santana
Duração: 26 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

O começo do curta-metragem Embaraço, de Mirtes Agda Santana, volta a uma questão que já esteve presente nas telas, os cabelos negros. Entre transições capilares e o assumir o cabelo está o ato de afirmar-se para si mesmo e externar politicamente sua posição contra um sistema de apagamento e diminuição. Entrevistadas de várias idades falam sobre seus próprios processos e reforçam a importância da imagem na construção do espaço de cada um, seja em identificações ou em enfrentamentos.

É importante destacar, e o filme faz questão de deixar isso explícito, que o discutir e expor esse tema não tem só a ver com estética, mas com afirmação, com uma forma de se combater o racismo que chega tão forte do externo que acaba causando rupturas no interno. Embora o tema seja relevante, e apareça bem distribuído em tela, o que se vê no começo de Embaraço não vai muito além do que outras obras trouxeram sobre o tema. Mas a questão capilar é apenas a porta de entrada para outras discussões tão ou mais importantes.

Santana parte das iniciativas de suas entrevistadas para descobrir um passado do movimento que não costuma ser tão explorado no cinema. Com fotografias e depoimentos, vai buscar a realidade dos anos 80, nos bailes e em outras atividades de integração e fortalecimento. Lá estão cabelos afros e a ocupação de espaços. O racismo, como sempre, também se fazia presente, tentando minar para consolidar a exclusão. “A elite falava que estava com medo da gente” é a frase que marca a fala sobre o fim de um grande evento dominical. Nada que tenha mudado até os dias de hoje.

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O filme alcança essa permanência e traz para tela o racismo e a diferença de privilégios dentre os próprios negros. Ironicamente fala que deve existir uma “carteirinha do racismo brasileiro” onde a “mulata tipo exportação” está em uma posição melhor do que a “preta retinta gorda”. A classificação de pessoas pelos tons de pele preta aparece, portanto, como mais um item desagregador, que, com suas rupturas, acaba enfraquecendo o movimento como um todo, mais uma fase a ser superada.

A constatação de uma luta sem fim é desanimadora, mas o curta vai buscar caminhos para uma nova história. Fala de identidade colorida, tombamento e da ocupação pela cultura. Mais do que isso destrincha o termo “empoderamento” ao fazer uma leitura capitalista, mas fundamental. O poder vem do dinheiro, então é fundamental que o dinheiro preto circule no mercado. É importante que pessoas negras que estão em uma posição de ganhar dinheiro façam com que a moeda circule entre os negros. É aí que está o verdadeiro sentido da geração tombamento. Como diz Renata Prado, uma das entrevistadas, “pra mim, geração tombamento é você se entender e se reconhecer enquanto sujeito preto, se empoderar disso e transformar isso numa ferramenta de poder. E hoje, num país capitalista como esse, o que é poder, o que é empoderamento, é dinheiro”.

O filme, que começou com uma questão mais individual, torna-se coletivo, buscando justamente esse caminho do conhecimento que gera o reconhecimento. E é importante que se encontre um movimento reverso fazendo com que o discurso reconhecido chegue a outras pessoas também, trazendo-as para o dentro. Esse movimento está no filme como um todo e no depoimento que o encerra.

Porém, mesmo que Embaraço traga muito de otimismo na forma narrativa que escolhe e na força de muitos dos seus depoimentos, o que se vê fora da tela é o repetir de situações. O pouco que se avança traz um pessimismo incontornável. Além da perseguição histórica e da dizimação cotidiana de corpos pretos, passamos por uma fase, no Brasil e no mundo, em que as pessoas não se intimidam em expor seus preconceitos e a agressão gratuita é o principal meio de contato. O caminho começou a ser trilhado, mas a luta é constante e ainda se está muito longe do fim.

Um Grande Momento:
Os bailes.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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