Crítica | Catálogo

Era uma Vez um Gênio

Uma história de amor, de aventura e de magia

(Three Thousand Years of Longing , AU, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Fantasia, Romance
  • Direção: George Miller
  • Roteiro: George Miller, Augusta Gore
  • Elenco: Tilda Swinton, Idris Elba, Aamito Lagum, Nicolas Mouawad, Ece Yüksel, Burcu Gölgedar, Megan Gale, Mateo Bocelli, Jack Braddy, Erdil Yasaroglu
  • Duração: 105 minutos

O título original do novo filme de George Miller, Three Thousand Years of Longing, sugere uma inesgotável propensão ao desejo e à espera, quase de maneira messiânica. Uma crença de que algo maior do que nós irá eventualmente acontecer, independente de nossa vontade, inclusive. Nosso título em português, Era uma Vez um Gênio, observa a obra de ordem prática. Sai a ansiedade por algo desconhecido que ainda assim é esperado, e entra a ideia de fabulação que é a mola mestra principal do Cinema. A arte ancestral de estar ao redor das rodas de fogueira ouvindo histórias é constantemente reinventada pela sala escura, que já não tem mais o que contar, depois de 125 anos. A subjetividade, há muito se sabe, será o norte das discussões – tanto a do olhar do autor, quanto a do receptáculo da obra, ou seja, nós. 

Miller é um contador de histórias das linhagens artesanais; seu debruçamento por sobre a narrativa não tem escoamento único na palavra, embora esteja aqui nesta obra essa determinação em sua vertente principal. Muito em sua filmografia amplia nosso conceito de audiovisual como poucos na atualidade, ao se tornar deliberadamente vetor da imagem e da construção do plano de maneira obsessiva. Aqui, no entanto, baseado em um conto de A. S. Byatt, o autor cria para si uma armadilha salutar: a fabulação necessita da oratória, então existe a propensão em desamarrar seu olhar fechado para o plano na tentativa de saltar nas palavras. Temos então, pela primeira vez desde as experiências envolvendo Babe, um diretor que volta a demonstrar o arcabouço completo. 

Era uma vez um gênio
MGM

Se apresenta então a dúbia contradição, a história de uma narratologista que perdeu, desde a infância, a capacidade de fabular. Viajando pelo mundo através da aprimoração de seu ofício, Alithea também aproveita tais destinos para tentar encontrar novo sentido no sonho, que se perdeu depois de um trauma juvenil. Alithea é vivida por Tilda Swinton, que de Orlando a Memória, nos ensina a cada novo trabalha sobre um corpo que, por si só, se abre à imaginação de cada autor, e flui por suas veias o caminho para narrativas cada vez mais fantásticas e particulares. Logo, fica candente a função de Miller em orquestrar toda a obra, e não apenas um aspecto ou outro. Conforme se apresenta, essa característica orquestral vai se tornando mais evidente. 

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Quando enfim os protagonistas se encontram, Alithea e seu ‘djinn’, a acadêmica se deixa levar pela arte que o gênio propõe – contar a ela suas histórias milenares, que datam os tais três mil anos do título original – mas sem deixar de mostrar seu enfado com a tal função principal do mesmo. Ela não se interessa por realização de desejos, um ou três, e quer abrir mão de tal para continuar desfrutando o prazer de trocar de gênero com sua Sherazade moderna; ser encantada por mil e uma noites de histórias contadas por um homem fascinante. Assim sendo, figuras que se imaginaram solitárias por suas existências acabam por encontrar um sentido em meio ao vazio de continuar. Mas como reconfeccionar nossa vida, sem por completo ceder aos moldes de um relacionamento tradicional? 

Era uma vez um gênio
MGM

Enquanto passeia pelas aventuras da criatura mítica que caiu em desgraça todas as vezes pelo mais ancestral dos sentimentos, Alithea aprende sobre uma humanidade que ela perdeu quando foi diversas vezes traída. Ao sair de um recolhimento emocional para embarcar na confusão de sensações que é o reencontro com uma torrente de paixão, se vê então com a mesma vulnerabilidade que tinha abandonado. Tanto Swinton quanto Idris Elba (do recentíssimo A Fera) se encarregam de demonstrar os graus de enfeitiçamento que experimentamos ao embarcar em novas magias, aquelas mais perigosas: às preparadas pelo coração humano. Com duas figuras tão emblemáticas em cena dando vida a seres tão díspares e precisando provar seu encantamento, Miller e seus atores se cercam de vida pulsante, nas cores e nas texturas de um longa esteticamente arrebatador. 

Mas, por mais que a as cores da direção de arte e dos figurinos, que a luz dividida em tempos pela fotografia esplendorosa de John Seale (Oscar por O Paciente Inglês e parceiro de Miller no já clássico Mad Max: Estrada da Fúria), é a palavra que arrebata. Quando ao fim da jornada, Alithea declara que nenhum amor é completo se não desobrigado, Era uma Vez um Gênio cumpre então sua função na completude de inebriar olhos, ouvidos e muito mais. Trata-se de um mestre na composição de quadros, aqui mais uma vez tentado a impressionar seu público e conseguindo, percebendo-se sentimental a essa altura, para mais uma vez ceder às tentações da fábula. Nada como um belo filme para deixar claro, por nova oportunidade, que as histórias permanecerão sendo contadas… e as histórias das histórias, também.

Um grande momento

O gênio percebe que Zefir o deixará ir

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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