Crítica | Festival

Escolas em Luta

(Escolas em Luta, BRA, 2017)
Documentário
Direção: Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques, Tiago Tambelli
Roteiro: Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques, Tiago Tambelli
Duração: 77 min.
Nota: 9 ★★★★★★★★★☆

No plano inicial, um drone filma uma escola do alto e vem baixando a perspectiva até quase adentrar os portões. Os sons já se captam, os estudantes tomaram conta do todo. Essa é uma escola. Uma das quase 200 ocupadas em São Paulo em 2015, após um plano da Secretaria de Educação do Governo Geraldo Alckmin autorizar uma “reorganização escolar”, expressão bonita que designava simplesmente o fechamento de 98 escolas. Contra a medida, os estudantes do estado se organizam em ocupações que serão testemunhadas por todo o país. Munidos de celulares, microfones e ímpeto de luta, sem querer, criarão as imagens fortes que compõem o documentário de Eduardo Consonni, Rodrigo Marques e Tiago Tambelli, um dos mais genuínos libelos pró-educação, sensível retrato da esperança dos tristes dias de hoje.

O impressionante trabalho do trio de realizadores não se restringe a captar o grito e a mensagem de uma geração que tem mais a dizer do que imaginamos. Embora o filme seja 70% construído por esse material conseguido pelos estudantes de maneira amadora (mas muitas vezes impactante), o restante tem tomadas muito bem fotografadas, incluindo entrevistas com as principais vozes daquele movimento, uma delicada e quase imperceptível dominação feminina. Meninas mulheres incríveis, em fala e atitude, que impregnam o longa com sua força. E aos poucos vamos percebendo o natural no todo: a cara daquela luta é jovem e múltipla. Meninos negros, meninos delicados, meninos fora do padrão social normativo em raça, gênero, orientação sexual e estética, a juventude de Escolas em Luta é tão bonita, emocionada, leve e acima de tudo natural. Bonita na expressão mais simples da palavra, e sem que nada disso seja propagado ou difundido, o filme vai adquirindo diversos contornos durante a projeção, que não fogem do seu propósito e aumentam seu escopo.

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Duas meninas se destacam no quadro geral. Elas se respeitam e se admiram mutuamente, mas não se encontram. Provavelmente, não se conheciam até tais eventos, e agora são faces de uma massa de mudança, completamente diferentes fisicamente, igualmente lindas e potentes em suas pluralidades. Ao lado delas surgem outros sons e outras cores, diferentes de si. Numa roda de violão, elas já sabem namorar e dançam; no sorriso aberto, seja no ballet ou na frente das manifestações de rua, espelham tantas e tantos. São a cara de um momento e do filme, e não poderiam representar melhor o grosso. Não estão dentro do lugar óbvio, não seriam chamadas para protagonizar nada, e mesmo assim protagonizam e levam sua abrangência de consciência para a luta. Aos três rapazes diretores cabe tentar capsular seus carismas e voz, que as transformarão em grandes líderes um dia. Maiores do que já são.

Durante as entrevistas, vão sendo costurados muito do que é a mentalidade do jovem de classe média baixa do país hoje. Pessoas conscientes, que podem até não ter a melhor concordância de ideias, mas têm a exata noção do que querem cobrar, e uma textura política clara, que não é alcançada talvez por grande parte da população. Isso sem nunca perder de vista sua inerente imaturidade emocional, que os faz explodir e reagir das maneiras mais destemperadas possíveis, em falas, em olhar, em gestos. Nada disso é negativo, no entanto; como cobrar mais de uma massa repleta de frescor que se reapropria de melodias de funks famosos para adequar a sua realidade? Taí, Escolas em Luta tem 75 minutos e parece ter apenas 15, tamanha é a intensidade com o qual tudo ali é vivido e decidido. Jovens, não é mesmo?

Tais jovens captaram seu dia a dia em um lugar onde, provavelmente, eles nunca se imaginaram estar. Lavar, cozinhar, manter viva a escola e sua estrutura, como se nada tivesse parado; transformar-se nos profissionais que não estam ali trabalhando sem deixar o trabalho ser interrompido. É uma escola, pois então… ainda que sirva também de moradia no instante do filme. Estudantes limpam banheiros, estudantes dormem em classes. Ah, os jovens… esses mesmos que serão alvejados por policiais nas ruas e fora delas, nas escolas e fora delas. Tudo foi captado, o frugal e o bestial. Como se espera de uma polícia mal instruída e pouco respeitada, os homens fardados batem em quem luta por escolas melhores para seus próprios filhos, diz uma voz numa das falas mais importantes do longa. No quadro estático, um adolescente em posição de pau de arara arrastado pela polícia. Sim, Brasil 2015.

Um Grande Momento:
“Já sei namorar.”

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[9ª Semana – Festival de Cinema]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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