Crítica | Streaming e VoD

Eu Sou Todas as Meninas

Ação desgovernada

(I Am All Girls, RSA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Donovan Marsh
  • Roteiro: Wayne Fitzjohn, Marcell Greeff, Emile Leuvennink, Donovan Marsh, Jarrod de Jong
  • Elenco: Erica Wessels, Hlubi Mboya, Mothusi Magano, Masasa Mbangeni, Brendon Daniels
  • Duração: 107 minutos

Há um dado chocante relacionado à África do Sul: há anos o local “figura entre os principais países de destino dos casos de tráfico de crianças provenientes da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e de países da África Subsaariana, mas também de outras origens como Tailândia, China, Brasil e países da Europa”¹. Estima-se que, à época da pesquisa, o país respondia por cerca de 71% ao tráfico de pessoas à escala regional. Além de ser um centro privilegiado pelas redes internacionais de prostituição pela falta de qualquer legislação contra o crime. A questão é a que está por trás de Eu Sou Todas as Meninas, filme sul-africano lançado pela Netflix.

Dirigido por Donovan Marsh (de Fúria em Alto Mar e Avenged), o longa tenta alcançar todos os lados da história, lógico, sem conseguir. Para contextualizar o espectador, apresenta Gert da Jager, personagem que expõe o esquema do tráfico em um vídeo confidencial e este é o começo de uma de suas linhas de ação. O outro é o tráfico moderno, com o estouro de um cativeiro nos arredores da capital. Os dois caminhos poderiam facilmente se encontrar e gerar algum atrito interessante, uma vez que envolvem de um lado a justiça, e, de outro, o justiçamento em um caso que há anos não parece ter solução.

Eu Sou Todas as Meninas

Porém, nem Marsh, nem os outros quatro roteiristas — e talvez o problema esteja justamente nesse excesso de gente — acreditam que “só” isso seria o suficiente para o filme. Eu Sou Todas as Meninas vai se enrolando em subtramas e se empenha para dar camadas à sua protagonista e a miscelânia confunde até quem está por trás da execução do filme. A direção de fotografia de Trevor Calverley é quase um portfólio dada a quantidade de estilos apresentada, a direção de arte, assinada por Jan Walker, acerta na definição das personagens, mas se atrapalha em alguns dos ambientes. São muitas linhas, vários espaços desconexos. A falta de coesão estética não surpreende.

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Assim como não admira a dificuldade em se interessar pela protagonista, uma vez que o filme está o tempo inteiro jogando contra ela. Mais do que a heroína perseguida que tem um caminho difícil, Jodie é uma pateta completa. Na verdade, ela nunca chega a ser uma alternativa à sua colega justiceira e ainda tem que enfrentar um roteiro que revela o mistério cedo demais, o que deixa o filme sem uma das pernas, logo, sem equilíbrio para seguir. Flashbacks, um pseudo-romance quase sem toques, cenas de ação com sobe som, e passagens sentimentais vão fazendo-o caminhar como exemplar de ação vazio, daqueles que apenas apostam na adrenalina para chegar ao final.

Eu Sou Todas as Meninas

E assim vai o espectador rumo à conclusão, completamente consciente do que pode acontecer, com alguma expectativa pela ação, mas sem esperar nada demais do roteiro e com pouquíssima torcida. Marsh ainda tenta criar motivos lá pelas últimas cenas, com uma reviravolta inverossímil, mas que só aumenta ainda mais a frustração. Eu Sou Todas as Meninas tinha um tema, tinha uma trama, mas não acreditou nisso de verdade e achou que precisava de mais para impressionar. Exagerado, apelativo e perdido, cansou e não chegou a lugar nenhum.

Um grande momento
Ntombi vê Ntombi

¹ FRANZE, José Joaquim; MALOA, Joaquim Miranda. A problemática do tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: uma análise comparativa entre Moçambique e outros países da SADC. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. esp., n. 39, dez. 2018, p. 113-128.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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