- Gênero: Experimental
- Direção: Natália Reis
- Roteiro: Natália Reis
- Duração: 7 minutos
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“Pra que você precisa do seu genital?”
Você, leitor, também sente que, muitas vezes, assistiu o filme X na hora exata onde estava pensando em algo relacionado ao que o mesmo narra? Ou estava vivendo algo parecido com o que viu na tela? Ou o mundo à sua volta corroborava de alguma forma (ou de muitas) para que sua experiência correspondesse a um chamado? Pois nesse último sábado, o Festival de Cannes fazia História ao premiar uma mulher realizadora de cinema de gênero e pela primeira vez sem empate, com uma proposta transgressora e ousada; aqui no Brasil, o Festival Ecrã disponibiliza para nós, humildes mortais, Febre 40º.
Natália Reis, realizadora, pensadora de cinema, pesquisadora, em menos de 7 minutos nos leva a uma viagem sensorial-sexual-autômata que se enraiza nas discussões e auto reflexões possíveis sobre a nossa relação entre a libido e a acomodação vigente desde que… bem, desde que a rede mundial de computadores invadiu as relações humanas e nos deixou reféns de desejos automatizados por pixels. Quando trocamos o sexo real pelo virtual, e nos acostumamos (e preferimos) o tesão solitário a um encontro tátil, um filme como esse acaba se posicionando numa zona de debate, para além do jocoso.
Reis utiliza imagens distorcidas de filmes pornográficos, estetizadas ao extremo, ultra coloridas e artificiais, para comentar a respeito do lugar do prazer e da estimulação erótica em contemporâneo cada vez mais antiquado. Quando as pessoas começaram a se masturbar com Bate Papo UOL há 20 anos atrás e ainda hoje trocam demonstrações de sêmen através de video chamada pelo whatsapp, traduz-se que a geração mudou, porém o sexo involuiu para um estágio de automatização e impessoalidade; você não precisa mais do outro para transar, só de um celular.
Quando a autora aditiva suas imagens com textos auto explicativos (e muito irônicos) a respeito da gradual troca que fizemos do físico para o tecnológico a título de justificar um possível recolhimento do estímulo humano no caráter sexual em tempos pandêmicos, está na verdade ampliando o aspecto de sua mensagem para as últimas duas décadas inteiras, quando inúmeros fatores reduziram o ato sexual ao gozo unitário escondido no quarto, afastando ainda mais a interação humana e suas particulares delícias que máquina nenhuma substitui.
O filme abre com a imagem de um computador (não à toa, um modelo antigo), mas logo vamos ao corpo humano até chegar de novo ao humano, porém entre uma coisa e outra, a fantasia à distância e desejosa de interação povoa o filme como a nós mesmos. Se engana quem pensa que o objetivo de Febre 40º é determinar os sintomas pelo qual nos afastamos, efetivamente é o de celebrar o retorno ao primordial — a teoria não responderá à carne, só a prática.
Por isso que quando o duo espanhol Baccara invade a narrativa para cantar seu hino sexual setentista “Yes Sir, I Can Boogie”, a vontade do espectador não é apenas de levantar e correr pra dançar – se é que vocês me entendem. Que Reis saiba ilustrar a música com exatamente o que estamos precisando fazer agora (não é mesmo, Nicole Kidman no final de De Olhos Bem Fechados?), é a prova de que ela entendeu de onde seu roteiro estava partindo e onde pretendia chegar. A profusão de materiais ballardianos que possam trazer uma evocação do erótico-futurismo são, na verdade, uma provocação diante do que queremos – uns aos outros, de verdade.
Ooooooooh yes, sir!
Um grande momento
Baccara