Crítica | Outras metragens

O Fim do Sofrimento

Somos de Marte e é pra lá que devemos ir

(The End of Suffering, GRE, 2020)
Nota  
  • Gênero: Experimental
  • Direção: Jacqueline Lentzou
  • Roteiro: Jacqueline Lentzou
  • Duração: 14 minutos

Eu sei o que Sofia está sentindo, tudo é muito próximo e particular. Me controlo, enquanto ela não — em partes. A angústia estampada no rosto, estampada na fuga, estampada no ato de falar e ouvir o universo em desespero. Há o pânico, a ansiedade e a melancolia; há o deslocamento e a introspecção crescentes. O Fim do Sofrimento consegue uma adjetivação rara: chegar às raias do didatismo e voltar dele correndo com poesia, delicadeza e coragem para destrinchar o mal do(s) século(s).

A cineasta grega Jacqueline Lentzou, que esteve esse ano na competição do Festival de Berlim com seu primeiro longa-metragem, realiza aqui uma auto análise transformada em carinho próprio, um olhar terno sobre o medo do desconhecido enclausurado nas nossas emoções. Com aparente simplicidade fantástica, o filme afaga sua protagonista como também ao espectador mais sensível e/ou envolvido com situações semelhantes, não à toa gradativamente se referindo a ela no coletivo.

O Fim do Sofrimento
Cortesia Festival Ecrã

Com um diálogo extrasensorial reverberado pelo universo para contactar uma alma carente de sossego emocional, O Fim do Sofrimento explicita sua intenção com a frontalidade perigosa do seu texto, que não metaforiza sua verbalização; Lentzou busca espelhar uma fatia social que adoeceu e não se vê representada na exploração da felicidade exacerbada da internet. Sofia é um pouco de nós, ou exatamente todos inteiros e fundos em descontentamento.

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A cineasta, no entanto,rebusca sua narrativa assertivamente, o que faz com que as defesas diante de sua estratégia baixem. Ela sai de um olhar naturalista para o contemporâneo e refugia-se no abstrato, conseguindo integrar uma proposta na outra. Há sinceridade no tensionamento de choque entre os dois vieses que propõe, o sonho do entendimento acerca da própria natureza e a natureza em si. Conectados, os dois mundos definem um futuro possível emergindo dessa combinação.

O Fim do Sofrimento, em sua tentativa de buscar compreender o abismo emocional dos dias de hoje, acaba compreendendo seu lugar através da empatia e do auto reconhecimento, um lugar íntimo e solitário que é descortinado e desmistificado na produção. “Você chora e não consegue parar”, é sobre a tentativa de encontrar um lugar onde a dor não doa mais; no descobrimento do outro em estado semelhante, é uma tentativa possível.

Um grande momento
“Todos vocês não passam de flores caídas”

[5º Festival Ecrã]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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