Crítica | Festival

Ao Entardecer

Frieza sem fim

(Sutemose, LTU, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sharunas Bartas
  • Roteiro: Sharunas Bartas, Ida Giedraite
  • Elenco: Arvydas Dapsys, Marius Povilas Elijas Martinenko, Alina Zaliukaite, Ramanauskiene, Valdas Virgailis, Vita Siauciunaite
  • Duração: 128 minutos

Ao Entardecer se passa na Lituânia de 1948, quando a guerra já acabou no papel, mas segue ativa para quem ainda está ali. Jovens se escondem nas florestas, resistem à ocupação soviética e vivem sob a lógica da vigilância permanente. É um território onde tudo é provisório: a casa, o afeto e a própria vida. O filme acompanha Untė, interpretado por Marius Povilas Elijas Martynenko, nesse espaço suspenso entre engajamento político e sobrevivência cotidiana.

O diretor Šarūnas Bartas filma esse mundo evitando qualquer traço de calor. A encenação é rigidamente contida, os diálogos rarefeitos e os gestos mínimos. A câmera de Eitvydas Doškus transforma a paisagem em outros corpos. As florestas densas, os interiores escuros e o inverno torna-se uma presença constante. Há uma beleza dura em cada plano, uma composição que parece sempre à beira da imobilidade, e o problema é que essa escolha estética não se limita ao espaço, também está nos personagens.

Untė atravessa o filme quase sem fricção interna. Sua entrada na resistência, suas relações amorosas, suas decisões mais extremas não produzem tensões reais. Não há ingenuidade inicial a ser perdida e nem conflito ético de verdade. O personagem existe mais como superfície do que como processo. Bartas parece mais interessado em manter todos os corpos num mesmo estado de entorpecimento do que em observar a formação de um sujeito.

Isso não torna o filme vazio, mas o torna frio. A violência aparece sem catarse, o desejo sem vertigem, a morte sem ruptura. Tudo é filmado com uma distância controlada, como se qualquer excesso emocional fosse uma traição ao rigor formal. O resultado é um cinema que recusa o heroísmo, mas também evita o risco de se contaminar pelo desespero que filma.

Ainda assim, algo resiste. Ao Entardecer entende que a guerra não termina o cessar-fogo, ela continua na desconfiança, no silêncio e na impossibilidade de projetar futuro. O longa capta bem essa vida em estado de atenção permanente, onde cada escolha já começa errada. O problema é que a percepção nunca se transforma em tensão dramática, se estabilizando cedo demais.

Não é um filme ruim. É um filme que escolhe não sentir e essa escolha, embora consistente, limita sua potência.

Um grande momento
O mais frio dos encontros

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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