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Shadow

Por detrás das sombras

(Jing, CHN, HKG, 2018)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Zhang Yimou
  • Roteiro: Wei Li, Zhang Yimou
  • Elenco: Deng Chao, Sun Li, Zheng Kai, Wang Qianyuan, Hu Jun, Guan Xiaotong, Leo Wu, Wang Jingchun
  • Duração: 116 minutos

Zhang Yimou viveu 15 anos de carreira como o grande cineasta chinês de seu tempo. De Sorgo Vermelho a O Clã das Adagas Voadoras, passando pelo clássico Lanternas Vermelhas e muitos outros vencedores de inúmeros prêmios ao redor do mundo, ninguém era páreo para ele durante o período, onde passeou por inúmeras divisões do cinema, dos dramas intimistas ao wuxia (os épicos de luta chineses), passando pelo noir e pelo retrato contemporâneo social, seu nome era sinônimo de acerto. Na última década, viu seu potencial resvalar em projetos de gosto pra lá de duvidoso, mas com bastante atraso esse Shadow nos chega aos cinemas para reativar um dos grandes nomes do cinema nas últimas décadas.

A despeito de retomar a um lugar onde anteriormente apresentou algo como Herói, Yimou tenta se reinventar ao atrelar o conceito dos “sombras” a todo material cromático da produção, profundamente acinzentado em cada aspecto. Da neblina constante trazida pela chuva que perpassa toda a duração, aos cenários cor de chumbo do castelo do Rei, do figurino grafite com o qual todo o elenco se veste até as armaduras de ferro dos soldados em cena, até os enigmáticos guarda-chuvas de lâminas afiadas, o sombreamento da produção avança do título para a narrativa e assola tudo no filme, inclusive as camadas do roteiro que investigam os homens que vivem escondidos na vida de outros.

Shadow
Foto: Divulgação

O termo “sombra”, conforme título e roteiro elaboram, diz respeito a uma prática utilizada por grandes figuras de comando da China ancestral, que consistia em selecionar uma espécie de sósia para representar poderosos em casos de necessidade, muitas vezes que envolvessem perigo e risco de morte. O filme nos apresenta a apenas um caso, justamente o protagonista, que vive em substituição do comandante das forças de segurança do Rei. Ele é o sombra, mas também é quem está à frente de ordens e obrigações do seu cargo; o filme o coloca como alguém à margem da verdade, e ele mesmo é uma figura decorativa, ou seja, ele não é um homem, mas um simulacro.

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O roteiro de Shadow ajuda a criar uma motivação para que o comandante Ziyu, ou o homem que se passa por ele, saia enfim de sua postura segura de manequim. Vivendo até determinado momento como um dublê, ele não aprendeu nem o funcional para a posição que ocupa nem o suficiente para tornar-se independente emocionalmente daquela situação; não é, de fato, um soldado formado nem um homem amadurecido. O que vemos ao longo da produção vai além do rigor estético típico do autor, mas a construção tardia de uma personalidade, ou um coming of age fora do tempo comum, no limiar das descobertas íntimas de um jovem.

Shadow
Foto: Divulgação

Shadow também é devidamente constituído de twists emocionais, envolvendo a maior parte dos personagens, e não apenas o homem-sombra. Estão em lugares de descobertas narrativas para o público tanto o Rei e sua filha, quanto o verdadeiro comandante e sua esposa, a todos esses peões do tabuleiro cabe a ideia de manter seus sentimentos, intenções e ações sob a escuridão, para enfim serem reveladas em estado de pressão. Logo, a sombra que está nos cenários, no protagonista, nos figurinos, na própria ambientação e na natureza, está também corroendo cada um dos descritos na narrativa, e esse é um ponto de criação de muito requinte, ainda que ligeiramente óbvio.

O pacote não poderia ser completo se Yimou não entregasse em Shadow ao menos uma fagulha do que já apresentou em tantos longas épicos que já dirigidos antes, e ele o faz com o habitual rigor técnico; sozinha, a criação do guarda-chuva laminado já se esmera em contribuir com diversão e espanto muito do que acostumamos a ver nos wuxia, aqui em versão comedida. Ainda que não nos arrebate com a construção de quadros que são tão comuns em um artista tão ligado ao plano, Yimou é ainda capaz de encontrar uma linha narrativa que assombre o espectador suficientemente para que a ausência de sua qualidade visual seja percebida, mas não o bastante para diminuir seu espetáculo mais tímido.

Um grande momento
A ladeira da cidade invadida

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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