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Still: Ainda Sou Michael J. Fox

Um homem e sua voz

(Still, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Davis Guggenheim
  • Roteiro: Michael J. Fox
  • Duração: 90 minutos

Era questão de tempo fazerem um documentário a respeito da vida e do detalhamento acerca do que envolve Michael J. Fox, uma figura pública que circunda a tragédia sem jamais se deixar sucumbir a ela. Still: Ainda Sou Michael J. Fox está na AppleTv depois de estrear no É Tudo Verdade e é uma peça complexa de cinema. Como será visto esse filme que é protagonizado por um artista refém da mídia há quase 30 anos por motivos alheios à sua arte? É uma curiosidade mórbida que alimenta não apenas esse filme, mas as obras, de audiovisual ou literárias, que se dedicam a escarafunchar indivíduos transformados em holofotes de si mesmos. O que vem de cinematográfico em algo com uma finalidade tão pouco cinematográfica é a pergunta que fazemos ao investigar o material. 

Davis Guggenheim é um colecionador de prêmios, desde o Oscar por Uma Verdade Inconveniente, até tantos outros por Malala ou Waiting for Superman, um documentarista renomado e dos mais celebrados dos últimos anos. Isso não significa que aqui tenha conseguido sair exatamente do que se esperava de algo mais convencional, mesmo que a aparência seja a de uma proposta inusitada. No fundo, o que está em jogo é a preocupação em dramatizar uma história que já é devidamente dramática, e cujos relatos já carregam força o suficiente para envolver o espectador. Em negação dos valores que habitam no olhar de Fox para sua própria situação, antes e depois do Parkinson, o filme sai do espaço tradicional para um lado mais exibicionista, e que diminuem seus valores. 

A decisão mais questionável é encontrar um sujeito que funcione como dublê de Fox, para encenar banalidades triviais do dia a dia – com a exceção da sequência que abre o filme – do ator, sempre pelo ponto de vista de esconder seu rosto, afinal se trata de um sósia. Se não cabia dramatizar sua realidade (e não é exatamente isso o feito aqui), tampouco essa ideia cabe em Still: Ainda Sou Michael J. Fox, contribuindo para uma intromissão que não se justifica. Não que um retrato de dramatização mais efetiva melhoraria o estado, até pioraria na verdade, mas o que é feito aqui não se entende como coisa alguma. É um detalhe criado pela narrativa para situar o espectador em eventos que estão sendo narrados, ou seja, o artifício já é conseguido de alguma outra forma, e que essa situação só torna reiterativa. 

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O rosto e a voz de Fox, seu comprometimento com sua própria sanidade e com o que estabeleceu como meta pessoal, já seriam suficientes para iluminar Still: Ainda Sou Michael J. Fox, mas Guggenheim não confia no potencial de quem dedicou horas para entrevistar e radiografar. Não é suficiente rememorar todas as passagens de sua carreira até o baque da descoberta do Parkinson, e isso aos poucos vai contornando a narrativa de maneira negativa. Porque a estrutura caudalosa começa rapidamente a saltar experiências e condensar outras, transformando o filme em uma espécie de “melhores/piores momentos”, e delegando ao espectador a tarefa de completar lacunas. É a solução mais errada a tomar mesmo em uma ficção; em um documentário, fica a ideia de que nada era muito importante assim para se dedicar, então “bora reduzir ao essencial”. 

Apesar dessa estrutura não apresentar qualquer inovação para quem admira o gênero, o que Michael J. Fox faz pelo seu filme é elevar a ideia das “cabeças falantes”, simplesmente porque não estamos falando de uma cabeça qualquer. Dono de um humor inteligente e afiado que a doença não anulou, Fox é uma figura ímpar dentro da indústria e reveste de cor um título que poderia ser ainda menos interessante. É sua voz emoldurando sua trajetória, o que compensa Still: Ainda Sou Michael J. Fox e o tira de uma mesmice clichê através do som, já que a imagem está no lugar de sempre. O rosto do ator, muito mais do que o grosso de sua história, que acabam por imprimir o diferencial na obra; suas marcas e sua postura são a face de um homem que, para o bem e para o mal, construiu um diferencial dentro da indústria. 

Um grande momento
Michael relata a queda e o acidente com seu rosto

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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