Crítica | Streaming e VoD

Fiéis

Banho de honestidade

(Faithfully yours, HOL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: André van Duren
  • Roteiro: André van Duren, Elisabeth Lodeizen, Paul Jan Nelissen
  • Elenco: Bracha van Doesburgh, Elise Schaap, Nasrdin Dchar, Gijs Naber, Matteo Simoni, Hannah Hoekstra, Sofie Decleir, Anna De Ceulaer, Soufiane Chilah
  • Duração: 90 minutos

É uma mistura de sensações assistir esse novo Fiéis, com certeza o próximo hit da Netflix e que está estreando hoje. Daqueles casos onde todo o burburinho valerá a pena, todas as matérias e todos os ridículos “finais explicados” dos influencers brasileiros patéticos. Não por ser tratar da maior obra prima dos últimos tempos, mas porque é tão raro se divertir assistir a algo tão honestamente vagabundo quanto esse filme, e a diversão aqui vem aos quilos. O Cinema não foi criado para ser algo posado e sisudo, mas sim um balde de diversão sem restrições, um manancial de tudo que é visto aqui: pistas falsas, personagens ambíguos, uma trama ordinária com o intuito único de nos transportar para outra realidade, uma da qual não precisamos fugir porque dura apenas hora e meia. 

O mais legal é jogar no Google o título do filme e ver o nível das chamadas pega-trouxa: “suspense picante”, “complexo e psicológico” – ou seja, nada do que o filme é, embora muitos desses “autores” estejam de verdade acreditando nessa baboseira. O que Fiéis de verdade é, passa longe dessas definições avantajadas, porque o filme compreende o próprio mecanismo de não se pretender a nada muito sério. Vide os jogos visuais que o filme parece pretender, e que limpam toda a sujeira por trás do que deveria ser a essência, caso as coisas estivessem sendo levadas a sério como essas manchetes acreditam. Não importa se a narrativa tem furos até não caber mais em si, o que importa é o sumo extraído dessa brincadeira holandesa. 

A graça começa por aí, quando tudo que está sendo tratado como algo a ser escondido, na verdade é bem censura livre, do sexo selvagem destinado a menores até o assassinato que dá partida a trama, igualmente limpinho. Fiéis é um produto dentro do padrão para exportação que não ofenda ninguém das tradicionais famílias que forem atraídas pelo que ele oferece. Tem homossexualidade na penumbra, sodomia de costas, tudo embalado com beleza e candura, tão rebelde quanto o cabelo ondulado de uma das protagonistas: fake, de tudo. É tudo tão intencional que chega a ser inocente a vontade de chocar de maneira tão comportada, até que percebemos (e nem demora nada para isso) que o filme só queria mesmo nos entreter e nos fazer sorrir, essa é a conclusão bastante óbvia. 

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Dirigido e escrito por um especialista em tv, André van Duren, Fiéis não chega a propor qualquer discussão sociológica, embora insista em uma fala de George Bernard Shaw (“o castigo do mentiroso não é apenas ninguém mais acreditar nele, mas ele passar a não mais acreditar em ninguém”). Essa frase é condicionada à toda narrativa, como se o roteiro a seis mãos tivesse sido escrito após uma noite onde amigos beberam muito e imaginaram uma estrutura refém dela. Como em toda produção rasteira, o filme gira em torno dessa afirmação e por isso o espectador embarca tão fácil na proposta de joguinho do filme, onde a cada nova curva, uma nova camada estapafúrdia fosse acrescentada e o bolo todo fosse inchando até transbordar da forma. E que transborde, gritam os responsáveis. 

Nada tem qualquer refinamento, embora o filme tenha certeza que está falando sobre ambientes ricos e pessoas bem nascidas. O que pega, e que impede qualquer elevação de Fiéis, é que ele também não apresenta o oposto dessa segurança, mostrando um submundo moral inescapável aos personagens. Nesse lado, o filme poderia ter embarcado mais, indo até os limites de uma possível sanha pelo esgoto nosso de cada dia. Mas a ideia aqui era apenas promover um lançamento da Netflix com um punhado de reviravoltas e que tornasse nosso fim de semana mais movimentado. Perdeu o filme, ao deixar de ser o que as entrelinhas indicavam, ganhou o streaming, que vai ter um sucesso super comentado pelos próximos dias, talvez semanas. Não mais que isso. 

Os clichês mais facilmente reconhecíveis, tais como a quantidade exorbitante de motivos e personagens suspeitos, o comprimido para dopar que não é tomado, a polícia que não acredita em nada que a protagonista diz até desacreditá-la, são utilizados com tamanha intenção em Fiéis que não conseguimos ficar com raiva. A sensação é de que ninguém foi enganado, nem espectador e nem plataforma; todos, em coletivo, dão uma piscadinha uns aos outros, e segue o barco das produções esquecíveis e que se são eficazes no tempo necessário para a catarse vazia. 

Um grande momento: O telefonema final, quando a gente saca que a gata escolheu ser feliz

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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2 Comentários
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Alexandre Figueiredo
Alexandre Figueiredo
19/06/2023 11:45

A impressão que dá é que parece que os personagens não sabem bem o que querem da vida, se perdem no meio de tantas futilidades em torno do próprio ego. Mentiras e reviravoltas dominam a cena.

Tenorio
Tenorio
21/05/2023 13:54

Eu amei o filme, diversão garantida. Não conhecia, comecei a assistir achando que nem is terminar e não consegui tirar o olho da TV, a única coisa que realmente eu não gostei, foi aquele telefone final, onde a protagonista que errou, quer continuar errando. Tira isso e o filme é perfeito.

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