- Gênero: Drama
- Direção: Hilton Lacerda
- Roteiro: Hilton Lacerda
- Elenco: Irandhir Santos, Hermila Guedes, Arthur Canavarro, Suzy Lopes, Jean Thomas Bernardini, Ariclenes Barroso
- Duração: 100 minutos
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Uma festa termina quando o salão é esvaziado e as portas fechadas, mas precede o encerramento aquele clima pesado de final, quando as músicas ficam esquisitas, comes e bebes desaparecem e você percebe que não é mais bem-vindo pelo anfitrião. Nessa hora há os que sentem o golpe e se retiram e os que, apesar de tudo, não desejam ou não estão preparados para partir, resistindo até a expulsão de fato.
Com o carnaval sendo o grande festejo nacional, o período entre a Quarta-feira de Cinzas e o começo da semana seguinte carrega a energia de fim de festa mencionada. Enquanto muitos estão de volta ao trabalho, outros tantos aproveitam a folia até a última gota. Observando esse período especial do calendário brasileiro, o cineasta Hilton Lacerda (Tatuagem) constrói um retrato do país hoje.
No terminal refúgio da liberdade e da união entre diferentes, resiste especialmente nas celebrações de rua a sensação de que todo mundo é igual. Terminada a folia, porém, as máscaras caem e o desconforto vem. Desconforto que é o sentimento dominante de Fim de Festa, o intermediário em todas as relações, inclusive público-filme. O embrulho, no entanto, é atraente e policial, inspirado no verídico Caso Jennifer Kloker – alemã assassinada em fevereiro de 2010 em São Lourenço da Mata, Pernambuco.
Lacerda trabalha paralelamente o núcleo da investigação criminal e o das últimas horas de orgia, os que já começaram o ano novo e os que curtem os derradeiros dias de férias, os adultos cansados e os quase ainda adolescentes, os que são maioria em 2019 e os que eram maioria na década passada. Rachados, mas nem sempre. Contraditórios e hipócritas internamente. Transgredir é fazer topless na praia, voltar atrás diante da ameaça de detenção e aguentar calado um “vamos acabar com vocês”; a doméstica negra é considerada uma segunda mãe e quando questionada a respeito da morte do próprio filho não consegue terminar o desabafo por ser cortada pelo patrãozinho que surge entusiasmado com uma foto deles; um vídeo sobre corpos carnavalescos purpurinados, colados e suados – material de conclusão de curso universitário que para grande parcela da população grita “BALBÚRDIA ESQUERDISTA” – auxilia a polícia na elucidação do crime. Que onda!
Ou como numa ode é possível “responsabilizar” Hermila Guedes pela solução de tudo. Suas gêmeas Cosma e Damiana estão relacionadas à cura como os santos médicos que inspiraram seus nomes. Uma rouba a cena exprimindo felicidade e liberdade do ex na reveladora gravação do bloco, a outra protagoniza ao lado de Breno (Irandhir Santos, impecável) uma das melhores cenas do filme, uma conversa de coração aberto e sem nenhum abismo entre os envolvidos. Em participação breve, ela espalha saudade.
Já que “tristeza vicia mais do que cigarro”, estão todos condenados a novos 360 dias de sofrimento. Livres de parasitas e desertores, dois homens fumam maconha e atiram cobertos de razão. Ou melhor, um dispara a arma e o outro tapa os ouvidos. Angústia tropical e fantasia que não foi feita para a farra de Momo. Fim de Festa é atual, mas lembra o mofado vizinho Piedade na hora das denúncias audiovisuais viralizantes do Dracma; explicita o racismo e a falta do antirracismo, mas hiperssexualiza e expõe o corpo negro; diagnostica o comodismo, mas é entremeado por ensaios poéticos que não abalam nada.
O que devemos fazer diante de um espelho fissurado? Virar as costas? Quebrar e esperar os sete anos de azar? Continuar olhando o perturbador reflexo? “Ah, ali já vem o carnaval! Vamos segurá-lo enquanto pudermos e pensar nisso depois…”
Um Grande Momento:
A revelação íntima e dolorosa interrompida na cozinha.
[Festival do Rio 2019]