Crítica | Streaming e VoD

Frio nos Ossos

Sobre famílias

(Little Bone Lodge, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Matthias Hoene
  • Roteiro: Neil Linpow
  • Elenco: Joely Richardson, Neil Linpow, Sadie Soverall, Harry Cadby, Roger Ajogbe, Euan Bennett, Cameron Jack, Sharon Young
  • Duração: 90 minutos

A partir de determinado momento, o que aparentava estranhamento em Frio nos Ossos, em cartaz na HBO Max, passa a tomar contornos em espiral constante, e a segurança do espectador na direção de algo concreto fica cada vez mais distante. Caso se deixe levar pelo curso dos eventos em cena, ao aproveitar as nuances que o filme vai levantando com parcimônia, decerto uma experiência diferente estará em curso. Não se trata de uma obra inesquecível de quilate inalcançável, mas uma diversão competente que sabe da ordem dos elementos do qual dispõe, e com isso oferece a imersão se torna mais consentida. Depois de uma gama de títulos que os streaming disponibilizaram sem potencial para um olhar aprofundado, o jogo de espelhos mostrado aqui tem um realce especial. 

O diretor Matthias Hoene tem uma carreira entre clipes musicais e séries de tv maior que no cinema, e aqui consegue moldar suas intenções em algum grau de expectativa narrativa. As situações parecem estar carregadas em suspenso, ainda precisando constantemente de mais informações para deflagrarmos a narrativa. Ao mesmo tempo, não se trata de uma obra estanque, e talvez essa experiência ágil de outrora movimente os feitos em um lugar estrategicamente sem vícios. O quadro que se estabelece, tanto de espaço geográfico quanto de personagens, é exíguo, e a direção se vale dessa economia para explorar ao máximo as possibilidades de ação. O resultado é que sua mão fica mais exposta no ritmo imposto do que em construções de plano, beneficiando um filme que nasce conciso. 

No fim das contas, é estranhamente positivo perceber que Frio nos Ossos é um filme que se ancora em relações familiares, e elas vão sendo defendidas a cada nova camada que salta aos olhos na escrita do roteiro. Neil Linpow é o autor da história e também o protagonista masculino, e em sua porção autor consegue estruturar essa profusão de laços familiares que se arvoram ao longo da narrativa. O núcleo duro que está na espinha dorsal do enredo é composto por mãe, pai e filha fazendeiros, que recebem a visita de uma dupla de irmãos durante uma tempestade torrencial. Outras famílias se tornarão igualmente importantes para a base da trama, e que evoluem as características de cada uma dela para um local de intersecção cada vez maior entre seus membros, fazendo com que tal novelo fique cada vez mais complexo de desembaralhar. 

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No cerne da trama, temos Joely Richardson em composição arriscadíssima desde o início. Frio nos Ossos é capitaneado pela sua presença, como uma médica aposentada que vive reclusa com a família, e a atriz talvez nunca tenha apostado tão forte na caricatura. De formação teatral e descendente de uma realeza da área, a filha de Vanessa Redgrave provoca estranhamento no princípio, e até uma certa aversão à forma como desenvolve a persona de sua composição. O que vemos a partir de determinado momento é o filme se moldar ao que ela propõe, motivando uma percepção nova em relação ao que ela apresenta em seu espaço. Caminhando junto ao elenco (principalmente ao jovem Harry Cadby) na evolução dos eventos e na propensão ao exagero, Richardson se diverte a valer e provoca o mesmo em quem assiste. 

Cabe a Hoene transformar o que assistimos, materializando do lado de cá da tela as sensações espelhadas na obra. Com essa missão em mente, assistimos Frio nos Ossos com a frequente impressão de desconforto que permeia a obra, e suas disfuncionais realidades. Desde a confusão progressiva que os ciclos de revelações provocam em quem assiste, até as camadas atmosféricas que o filme proporciona aos atores (a chuva, a dor, o próprio esfriamento), Frio nos Ossos tem uma ideia de mimetizar de maneira racional o que vemos na obra. O espectador mais induzível estará propenso a experimentar o caos que ronda a realização e suas possíveis impressões, em um suspense acima da média que brinca o tempo todo com nossa percepção do que estamos vendo, e como. 

Frio nos Ossos poderia ter respingado em alguns momentos mais emblemáticos do cinema recente, de terror ou suspense, mas alguma personalidade reside no que estamos vendo. Então somos afastados de Jogos Mortais ou Violência Gratuita (e de qualquer mistura possível entre eles) para assistir algo menos radical sob algum aspecto, mas igualmente desconcertante. É quando percebemos que não estamos diante de um ou outro personagem capaz de tudo; essa capacidade está nas mãos do roteirista e do diretor, que jogam constantemente com a percepção do público.

Um grande momento
O uso do travesseiro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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2 Comentários
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Alexandre Figueiredo
Alexandre Figueiredo
03/09/2023 19:08

Tenso e repleto de reviravoltas, a trama segura o espectador até o final. Ótimo suspense.

Zé Neto
Zé Neto
23/07/2023 00:29

O final desse filme é extremamente forçado, sem um final Digno, com tudo pra dar certo, porém não deu um final Digno. E um filme curto com certos rodeios mas que trouxe o que prometeu – suspense – porém mais uma vez digo o final é um verdeiro lixo.

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