Crítica | CinemaDestaque

Mergulho Noturno

Afogando em homenagens

(Night Swim, EUA, RUN, AUS, 2024)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Bryce McGuire
  • Roteiro: Bryce McGuire, Rod Blackhurst
  • Elenco: Wyatt Russell, Kerry Condon, Amélie Hoeferle, Gavin Warren, Jodi Long, Eddie Martinez, Elijah Roberts
  • Duração: 90 minutos

Tenho minhas dúvidas sobre até que ponto existe um limite entre as homenagens e a reapropriação ininterrupta de clichês por parte de obras cinematográficas. Se tudo já foi feito e hoje muito mais importa a forma como isso é reaproveitado e em quantos lugares isso poderá reverberar dentro da própria obra, então importa menos que tais narrativas estejam mais uma vez passeando por caminhos já andados. Nesse sentido, Mergulho Noturno é um caso híbrido que prova como existem exemplos para esse incômodo, e o quanto ele pode ser interpretado de muitas maneiras diversas. A linha tênue que deveria separar uma coisa da outra aqui é demolida, e estamos diante de um grupo de imagens que tanto celebram quanto derrubam o que iremos assistir. 

O filme se desenvolve através de um curta-metragem de duração muito exígua e realização bem econômica, no qual o potencial para a transformação em algo maior foi reparado pelos veteranos Jason Blum e James Wan, dois colossos da realização de gênero hoje. Para a implantação do roteiro do longa, a ideia bastante clara foi ressuscitar clássicos do gênero, do passado e do presente, e tentar costurar a essa ideia nova as referências imagéticas que mostrariam de onde o gênero veio e para onde ele pode ir. Ao contrário do excesso de surra que o filme levou então, podemos perceber que Mergulho Noturno sabe onde pisa. O problema é que provavelmente há um excesso de pés na produção, e uma vontade ainda maior de fazer tudo ao mesmo tempo agora. 

Parece não existir limites para o que Bryce McGuire pretende, ao tentar alocar a maior quantidade possível de referências ao seu produto. Como ele também é o autor por trás do curta original, podemos dizer que ele não está deturpando nada, a não ser a si mesmo. Mas das ideias mais óbvias (Poltergeist e O Iluminado) até planos e imagens de outros materiais (It), Mergulho Noturno se apropria do que a inspiração permite, e quando não há mais o que fazer, ele não consegue enxertar na obra criatividade narrativa. O que vemos é um projeto esteticamente sedutor, porque temos a consciência do que está sendo emulado aqui e ali, mas cujo desenvolvimento não acredita na capacidade cognitiva do espectador em criar suas próprias elaborações. 

Apoie o Cenas

Com isso, as questões metafóricas em relação a paternidade e maternidade, o quanto uma pode ser representada por benesses e virtudes e a outra por sacrifícios e perdas, acaba sendo esvaziada. Ao não acreditar na capacidade do público de conjecturar esses códigos, o filme não só assume que se trata de um material comercial falível, como também perde alguns de seus símbolos. O roteiro de McGuire e Rod Blackhurst tende a mostrar muito mais do que deveria, para um gênero onde a dúvida e o mistério é sempre bem-vindo. Com isso, Mergulho Noturno perde a oportunidade de explorar suas possibilidades que deixariam o viés imagético antenado com o que está sendo contado. Não mudaria a percepção por completo da produção, mas ajudaria aos ganchos não parecerem tão comunicados e/ou abruptos. 

O interessante é observar que McGuire sabe filmar, e criar um estado de tensão mesmo tendo tão pouco manejo com a sugestão. É um cineasta que parece buscar o explícito, e suas configurações, e elabora tais ideias com algum requinte. Quando sua proposta é reencontrar o Spielberg de Tubarão, por exemplo, o filme parece atingir uma fórmula de encontrar o cânone sem duvidar das suas capacidades. É quando a emulação adquire status de homenagem, e o que é referendado serve para aguçar as possibilidades que a obra regula. No elenco, o casal vivido por Wyatt Russell (de A Mulher na Janela) e Kerry Condon (indicada ao Oscar por Os Banshees de Inisherin) funciona muito bem, e a jovem Amélie Hoeferle (de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes) merece ser observada. Apesar disso, estão todos reféns dessa vontade de comunicação extensa do filme com a plateia, que prejudica a fruição do que eles fazem. 

Mergulho Noturno foi a primeira estreia estadunidense do ano, e não abriu muito bem a temporada lá fora, tendo apanhado bastante da crítica. Os motivos da surra são compreensíveis, mas tendo a acreditar que olhar para os acertos também são válidos. Não se trata de um olhar que irá mudar alguma coisa, mas os profissionais em questão entregam um material acima da média para o escopo do projeto. Se a nota não é a mais alta, é por causa dos fatores que a eterna falta de experiência de jovens autores não conseguem se livrar. Tem um bom filme afogado em questões que seriam fáceis de ser extraídas do projeto, era só tentar. 

Um grande momento

A mão

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo