- Gênero: Terror
- Direção: David Gordon Green
- Roteiro: David Gordon Green, Danny McBride, Paul Brad Logan, Chris Bernier
- Duração: 110 minutos
-
Veja online:
Não é como se caíssemos de pára-quedas em uma narrativa que não vinha sendo construída ao longo dos últimos dois longas, de sucesso público mas recebido com reservas pela crítica, mas chegar até esse Halloween Ends me parece como se estivéssemos assistindo a uma preleção para uma tese de mestrado. Como dito acima, existiram nos longas anteriores uma motivação psicológica não em torno da figura de Michael Myers, mas acerca de como suas ações podem (ou não) alterar o mundo à sua volta. Ainda que me interesse muito conectar o terror com o drama, e encontrar paralelos sociais à costura que é feita, não me interessa tanto perceber que existe um ponto a ser alcançado, e para isso tal gênero perca suas características.
David Gordon Green é um cineasta que surgiu no cinema indie norte-americano, com passagens pelo Festival de Sundance inclusive. Esse cineasta não existe mais há alguns anos, quiçá década. Hoje envolvido com o cinema em larga escala, assumiu a reinvenção da franquia Halloween há quatro anos, e viu seus esforços darem tanto certo, que para o ano que vem ele fará o mesmo pelo O Exorcista; se terá sucesso, em um ano saberemos. Aqui, sua vida parece bem dificultada pela forma como observa a história dos eventos ocorridos em Heddonfield em 1978, sob um prisma analítico, em que sua discussão parece tentar dar conta a respeito dos traumas que essa micro sociedade enfrenta desde então. A maior acusação, de uns tempos pra cá e com esse novo de maneira bem estridente, é exatamente essa preocupação em psicologizar um personagem, ou um título.
Não deve haver problema algum com essa tentativa, mas o que pega em Halloween Ends é seu excesso de certeza a respeito do caminho a seguir, ir tão a fundo nessa questão, a ponto de parecer muito mais uma teorização filmada do que um filme mesmo, aquele produto que também deve levar outras camadas para o espectador. Consigo sentir a frieza do trabalho de Green, tanto como diretor, mas principalmente como roteirista, nesse grupo de oito mãos. Ainda que o filme apresente cenas bastante acima da média do ponto de vista do controle imagético, como as que envolvem os subterrâneos de Heddonfield, a produção parece satisfeita demais em provar um ponto, em colocar uma ideia da maneira mais esclarecedora possível em tela. Isso faz o filme perder sua espontaneidade, muitas vezes.
Da parte do texto, isso beira ao incompreensível, no sentido de não entender a regurgitação de tais pontos, tantas repetidas vezes. Há uma narração de Laurie Strode, que simula sua labuta no livro que está escrevendo, que algumas passagens surgem como insuportáveis, na tentativa de teorizar e repetir tais contextos. Entendo a intenção do roteiro em incorporar elementos que já vinham sendo aventados nos longas anteriores, mas esse Halloween Ends parece esquecer, de vez em quando, tratar-se de uma narrativa cinematográfica. Algumas passagens parecem muito mais uma palestra educacional a respeito da banalização do mal, da culpabilidade hereditária ou de como a perversidade pode ser difundida em uma ambiência, ao longo dos tempos. Ou seja, ‘o Homem é produto do meio’.
Ainda que o filme apresente tais elementos até de maneira orgânica e perfeitamente atrelada à sua estrutura narrativa, a ideia é imaginar porque transformar um filme de terror em uma grande aula de faculdade de psicologia. Halloween Ends consegue entreter, lá pelas tantas, e apresenta um personagem novo tão cheio de revezes, que nosso interesse em conhecê-lo mais, motiva a atenção. Mas não é como se tal sujeito fosse imbuído de coerência, porque muitas vezes parece existir apenas uma cartilha para que pontos sejam colocados, debatidos, apreendidos e difundidos. Ao longo da duração, os caminhos mudam tanto em relação a alguns tipos, que fica a impressão de que a única escolha em cena foi representar tal tese e fazê-la ser compreendida, não importa a que preço.
Em se tratando de uma despedida da série (pelo menos até a próxima reimaginação), Halloween Ends não pode passar sem comentar sobre a presença de Jamie Lee Curtis, que está em mais um grande ano de sua carreira. O sucesso desse e de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo a coloca em voga para a temporada de premiações, mesmo que aqui sua participação seja apenas um pouco maior do que na segunda parte (na verdade quem parece meio escanteado aqui é Myers mesmo). Pelo menos seu arco dramático agora é respeitado e valorizado, e a atriz dá a sua Laurie um componente muito interessante, que varia entre o cansaço e a certeza de saber o que está falando. A personagem em si tem muito mais eloquência que o discurso do filme, que nunca deixa de ser claro, nem de ser cansativo e repetitivo. Ainda assim, é uma obra que não merece metade da surra que está levando; o ponto a ser debatido, e que ninguém quer fazê-lo é muito bem defendido por Green e cia.
Um grande momento
O DJ
Só acho muitíssimo estranho que seja um filme sobre esse confronto final entre Michael e Laurie, mas em raros momentos ele é realmente sobre os dois. Eu gosto do Green olhar pra esse caminho do Michael como a ferida aberta de uma cidade e do cidadão comum, mas o viés que ele dá pra essa parte da narrativa é bem excessivo mesmo, pra não dizer insatisfatório, porque tira o filme das suas próprias linhas narrativas várias vezes, uma bagunça.
Belo texto, Chico.