(Helen, BRA, 2019)
Em um cortiço do Bixiga, Helen mora com sua avó. Vividas por Thalita Machado e Marcélia Cartaxo, respectivamente, são elas que apresentam um lado do tradicional bairro paulistano, onde tantas origens e movimentos se misturam e pessoas dividem o mesmo espaço. Com uma trama relativamente simples, o longa de Andre Meirelles Collazzo se divide entre o descobrir das personagens e dos espaços.
Acompanhamos Helen na escola, nos passeios com o pai, nas visitas à mãe, nas brincadeiras com as amigas e em muitas brigas na escola e na rua. Aliás, essa é a opção primeira e talvez aí esteja a primeira questão. Ao destacar comportamentos como este na apresentação de um personagem, o roteiro (qualquer roteiro, não especificamente este) pode estimular duas reações: o afastamento ou o julgamento. Como o carisma da personagem e de sua intérprete são enormes, sobra a segunda opção. E é assim que o filme, mesmo que involuntariamente, pode condenar a relação que tenta exaltar, no caso, de avó e neta, em uma configuração familiar diversa da tradicional.
Fora isso, o longa Helen consegue encontrar sua cadência no carinho entre as duas personagens, capturando tanto gestos sutis quanto óbvios, e passando por estranhamentos e muito companheirismo. É difícil estar longe da protagonista, em seu objetivo maior, o presente da avó, e nos sonhos coloridos ou no passeio com o pai. A menina tem uma espécie de imã, resultado da atuação da Thalita, muito à vontade, e a percepção e segurança do diretor na condução da atriz estreante.
Do outro lado temos Cartaxo, que dispensa apresentações. Grande atriz, ela transita entre humores com facilidade. Em um papel muito mais contido do que em Pacarrete, deixa clara a dureza de sua personagem, seca e direta. Ela é incisiva nas questões do cortiço, no tratar com o filho ou no modo como enfrenta o poder instituído. Por outro lado, se derrete, mesmo que sem ser muito explícita, com pequenos gestos da neta. Apesar da aspereza que lhe é habitual, deixa óbvio o seu afeto. E uma relação interessante intra e extra-fílmica, entre o novo e antigo, entre a experiência e a estreia.
O longa tem ainda boas participações, incluindo a do também veterano Tony Tornado, um dos amigos da família; Ana Paula Lopez, a manicure, ou mesmo Luiza Braga, como a mãe. Helen é fiel ao mostrar, dessa vez se afastando dos julgamentos, a relação de sua protagonista com a própria configuração familiar, personalizando essa visão. Ali está a identificação, mas também está a noção de uma realidade por ela desenvolvida. A menina, por exemplo, não nomeia o vínculo parental com ninguém além de sua avó.
Porém, mesmo com vários acertos, há um certo incômodo na aproximação de Collazzo a um ambiente que claramente não é o seu. O distanciamento de algumas cenas é incapaz de atingir verdades que fariam muito bem à trama e há um certo apego a tomadas que se perdem na curiosidade e exotização. Todo o trajeto da cena final, um longo plano-sequência pelos caminhos do cortiço, demonstra além de uma vontade de se afirmar como criação imagética elaborada, a dificuldade em se ambientar do diretor. O problema é sério, mas está contraposto pelo encantamento real com suas duas personagens principais. No final das contas, elas fazem valer o filme.
Um grande momento
“Obrigada”