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Henfil

(Henfil, BRA, 2017)
Documentário
Direção: Angela Zoé
Roteiro: Gabriela Javier, Angela Zoé
Duração: 75 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

Muito se fala sobre situações extremas como motriz da criatividade. Em meio à ditadura militar, com a censura de pensamento e a perseguição, a arte tornou-se um meio de protesto. A privação encontrou um caminho para a denúncia e um desses caminhos foi o cartoon. Dos muitos nomes que surgiram na área, um deles chamou especial atenção por sua genialidade e ecletismo: Henrique de Souza Filho, o Henfil. Ele começou com tiras de futebol e, com seus icônicos personagens, foi um dos nomes mais importantes do tablóide O Pasquim. Excelente desenhista, Henfil, com sua alma inquieta, também aventurou-se na televisão, teatro, literatura e cinema.

O dispositivo utilizado por Angela Zoé para resgatar a história do multiartista, falecido em 1988, traz a inquietação que fazia parte da vida do artista. Uma equipe de designers, ilustradores e animadores tenta criar uma animação com seus personagens mais marcantes: da barata da capa de seu livro “Diário de um Cucaracha” à Graúna, Fradim, cangaceiro Zeferino, bode Orelana, Ubaldo, o paranóico, entre outros.

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A busca deste grupo pelo estilo do autor e pela história por trás dos personagens é o motivo para que se estabeleça um caminho natural na apresentação de Henfil. Para isso, Zoé, em uma linguagem bem tradicional, reúne imagens de arquivo, familiares ou não; depoimentos daqueles que estavam com ele nO Pasquim; depoimentos da família e muito da sua obra.

Além de uma situação política opressora, que o multiartista sempre fez questão absoluta de combater, havia uma condição física que alterou o seu modo de encarar a vida e pensar no tempo. Há uma urgência na obra de Henfil que reflete tanto o ambiente que o cercava, como aquilo que ele tinha dentro de si. O documentário alcança muito bem essas influências e seus resultados, além de saber se aproveitar do carisma do desenhista mineiro.

Henfil, assim como seus dois irmãos, morreu em decorrência da AIDS, após receber uma transfusão de sangue contaminado, e deixou uma obra que nunca pareceu fora do tempo, servindo para a sua época, o agora e, possivelmente, o depois. É assustador e reconfortante ver a pouca evolução, mas reconhecer uma maneira de lutar pela mudança.

E o rever essa figura agora, em um momento em que, assim como lembram as palavras que abrem o filme, o país está dividido, é bem interessante. A preocupação com um governo futuro que flerta com o retrocesso e a incerteza de direitos já conquistados; onde metade da população se identifica com uma ideologia e a outra metade, com a outra; onde um ódio recém-revelado se mostra pronto a explodir e tomar espaços defendendo certezas excludentes não é novidade. Já esteve por aqui antes. Henfil, com toda a sua história de vida, torna-se, de certa forma, uma personificação da certeza de que há meios de lutar pela mudança, e, com humor e ousadia, combater e reverter uma nova situação.

Um Grande Momento:
As cartas de Jaguar.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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