Crítica | Festival

Heroico

(Heroico, MEX, SWE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: David Zonana
  • Roteiro: David Zonana
  • Elenco: Santiago Sandoval, Fernando Cuautle, Esteban Caicedo, Carlos Gerardo García, Isabel Yudice, Mónica Del Carmen
  • Duração: 88 minutos

Angústia. Esse é o sentimento ao assistir a Heroico, segundo filme do mexicano David Zonana (Mão de Obra) que acompanha a descida ao inferno de Luís, um jovem de 18 anos que se alista no exército porque essa é a única saída que encontra para garantir o plano de saúde da mãe doente. Acuado e oprimido pela violência, o preconceito e a corrupção, ele se vê perdido em um caminho sem volta, em uma degeneração contínua de si.

O diretor é frontal ao expor a crueldade da corporação, e alguns podem associar isso a filmes já vistos, como o clássico de Stanley Kubrick, que se infiltra nos treinamentos militares, mas o que se vê não se restringe a uma referência. É uma representação da dinâmica que impera no militarismo, nessa construção hierárquica pela humilhação e pelo medo que pode ser encontrada em relatos e citações diversas. Há no filme essa tentativa de expor o que está entre a masculinidade frágil e a masculinidade tóxica para chegar até tal ponto.

Mais do que isso, entre as incongruências apresentadas por Zonana, também roteirista, o Estado que protege, ou deveria, é aquele que persegue, se aproveita e causa o mal. E aí Heroico ultrapassa outras barreiras que não dizem respeito apenas ao braço armado como símbolo supremo da pátria, fala do preconceito com os descendentes de indígenas, o abismo social e a violência urbana em um país há muito dividido entre o estado de direito e o poder paralelo. Há um quê de universal, mas o específico está ali destacado.

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José, abandonado pelo sistema nos primeiros momentos do filme, surge como aquele que não encontra lugar nessa estrutura. Submetido às mais cruéis atrocidades, sem escolhas, vai enlouquecendo. No momento em que está amadurecendo, tornando-se adulto, olha para frente e não vê futuro. Sua deterioração é gráfica. Com inserções oníricas, Zonana dá forma ao medo cotidiano e à angústia que já dominam o filme, ilustra a raiva e a desesperança. Se há uma profusão de símbolos e significados – templo, labirinto, voo, mãe – o filme tem, em imagens que nada se aproximam do devaneio, uma crueza exacerbada.

Não por acaso produzido por Michel Franco (Nova Ordem) e carregado de uma revolta e insatisfação com o estado das coisas, é no choque que Heroico quer passar sua mensagem. Para o diretor, uma instituição só pode ser atacada se cada uma das atrocidades cometidas lá dentro e em seus arredores for vista, chegando, inclusive, a limites bem conhecidos do público. Chegando, não, ultrapassando-os. É uma escolha, que aumenta o terror, ainda que esvazie a força das inserções criativas e de todo um material que era suficientemente opressivo mesmo sem precisar ser explícito.

A força também está na interpretação sincera de Santiago Sandoval, que consegue encontrar o tom perdido de Luís, um jovem oprimido pelo medo e paralisado pela ausência de possibilidades. Heroico também ganha muito com a direção de fotografia de Carolina Costa, seja na transfiguração dos sentimentos em impressionantes passagens oníricas, ou no modo como ela retrata a inserção do homem naqueles lugares, naturais ou não.

Segue-se a proposta, e ela, mais eficiente na manipulação dos sentimentos de sua audiência, também é válida. Incisivo em seu pessimismo, Heroico vem carregado de sentimentos que atingem um país dividido entre o estado de direito e a força de um governo paralelo; entre violência estatal e a violência paramilitar. Para onde vão ou devem ir aqueles que, no começo de suas vidas adultas, estão no espaço que representa exatamente esses dois caminhos?

Um grande momento
Salto

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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