Crítica | Outras metragens

Iceberg

Alianças para o futuro

(Iceberg, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Will Domingos
  • Roteiro: Will Domingos
  • Elenco: Otto Jr, Jordi Marchon, Galba Gogóia, Érida Castello Branco, Lucas Inácio Nascimento, Allan Jacinto Santana, Naomi Savage
  • Duração: 25 minutos

Pensar em um futuro onde a pandemia foi assimilada, os afetos se fazendo ainda mais necessários, os campos de união cada vez mais apartados e os grupos de apoio imersos em agarrar o pouco que ainda lhe resta é imaginar que o futuro é sombrio, a partir da tragédia que estamos vivendo. Iceberg está na competição da Mostra Foco de Tiradentes 2022 e visualiza um futuro que não gostaríamos de viver, mas que também nele, em meio a desesperança, são esses pontos de respiro que poderemos encontrar a verdade, a saúde e a companhia quando tudo o mais nos faltar.

Will Domingos editou O Bando Sagrado, fotografou Xale e há quase 10 anos não lançava um filme novo como diretor, desde Trevas, agora pretende mostrar que, com ou sem devastação pandêmica, será sempre o que nos une enquanto sociedade, principalmente no que concerne as minorias perseguidas. Ao resumir um foco de resistência possível em um abrigo decrépito onde vivem alguns LGBTQIA+, que unidos conseguem sobreviver em meio ao abandono generalizado. Esse foco na sobrevivência através da união é uma mensagem que vale no tempo extraordinário da produção e igualmente em momentos ordinários.

Domingos compreende muito bem sua narrativa, onde quer chegar em seu roteiro bifurcado que passeia por duas situações aparentemente apartadas, mas que até por se tratar de um curta metragem, imagina-se rapidamente suas interligações. Nada disso é necessariamente um problema, pelo contrário, é uma estratégia interessante para criar textura narrativa ao projeto, que se encaminha de maneira paralela até revelar sua ponte entre tais momentos. O filme tem essa coragem de elaborar essas duas passagens com tanta propriedade que sentimos falta do desenvolvimento para um longa exatamente a partir dessa ideia.

Apoie o Cenas

Ao mesmo tempo em que alavanca essa ideia da compreensão e de uma agridoce liturgia interpessoal naquele espaço em decadência, Iceberg também monta com cuidado uma estrutura para que o cinema de gênero possa ser acessado com alguma propriedade em cena, através de uma das histórias que se mostra mais misteriosa e avança pela segunda parte possibilitando a entrada desses códigos conhecidos tanto em seu material imagético quanto na descrição de seu roteiro, com algumas passagens que permanecem em suspenso mesmo após o término da sessão.

Transcrever uma ideia que una o universo queer através de suas perdas pessoais e emocionais, que encare o espectro da solidão de frente quando adentrar nesse tema, ao cinema fantástico de alguma forma, é consolidar uma posição melancólica a um filme que nunca nega essa intenção. Mas também é reducionista alegar uma coisa ou outra apenas ao filme; Iceberg trabalha a complexidade e a dificuldade de afeto entre pessoas que perderam demais na vida com a mola do surreal, de alguma forma. E isso é algo que Domingos demonstra ter conhecimento em seu filme tão dócil.

Um grande momento
O banho coletivo

[25ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

Curte as coberturas do Cenas? Apoie o site!

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo