Crítica | Streaming e VoD

Interceptor

Bolo solado também dá pra comer

(Interceptor, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Matthew Reilly
  • Roteiro: Matthew Reilly, Stuart Beattie
  • Elenco: Elsa Pataky, Luke Bracey, Aaron Glenane, Mayen Mehta, Zoe Carides, Colin Friels, Marcus Johnson, Rhys Muldoon, Steven Davis, Paul Caesar, Chris Hemsworth
  • Duração: 99 minutos

Não se sabe quais eram as reais intenções da Netflix ao se ver formando um produto como ‘Interceptor’ à sua frente, e deixar o barco correr. Um dos grandes hits atuais da plataforma, o filme pode ter sido lido como algo absolutamente orgânico dentro do mercado atual e sua produção ter corrido de maneira comum. O que vemos, no entanto, é um negócio que não tem medo de ser cada vez mais surreal, embora pareça não ter compreendido que um mergulho não se dá pela metade; ou você se esborracha na água, ou nem entra na piscina. É por sua vocação a tentar agradar todos os públicos, dos mais banais aos que, digamos, capturem a essência de sua galhofa, que o filme pode acabar na beira do caminho com pelo menos uma dessas fatias, que precisam ser ainda melhor esclarecidas quanto ao seu teor. 

Essa é a estreia na direção e no roteiro de Matthew Reilly, um doidão australiano escritor de romances de ação, que ingressou na máquina cinematográfica provavelmente devido ao sucesso de seus livros. Essa sua estreia foi então bancada pela galera de ‘Resgate’, uma das maiores audiências da História da Netflix, incluindo seu astro, Chris Hemsworth – e guardem esse nome, ao assistir ‘Interceptor’. Teríamos como dizer que tudo o que deu certo por lá se repete aqui? Não exatamente, em primeiro lugar porque Sam Hargrave é mais talentoso que ele atrás das câmeras, e um dos motivos que explicitam isso é o segundo lugar, que é a percepção contínua do que está sendo produzido, e como o mundo mudou dos anos 1980 pra cá. Hoje, o ‘filme brucutu’ ou se reinventa ou ri de si mesmo, e ‘Resgate’ faz ambos. Já ‘Interceptor’ quer fazer promessas para todos os deuses. 

Interceptor
Brook Rushton/Netflix

Frequentemente dá certo, mas fica no ar a pergunta: a intenção era a sacanagem mesmo? Porque falta humor ao filme, falta perceber que nada aquilo deve ser levado a sério, falta a noção de que, não ter nenhuma noção, é a saída para produções assim. O filme abre dando a impressão de que havia a intenção de realizar uma terceira parte da franquia ‘Top Gang’, porém sem as piadas. Ou melhor, fazendo uma leitura seriíssima do que poderiam ser as possíveis ‘gags’, tanto visuais quanto verbais. Ao terreno ser adentrado por Luke Bracey (de ‘Amor com Data Marcada’), o filme se bifurca ainda mais. Porque o ator dá um tom dúbio ao seu personagem que também invade o filme; o cara é um vilão galhofeiro cheio de charme, mas que lá pelas tantas joga umas verdades na cara da tal América do Norte. 

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Ou seja, talvez Bracey os coadjuvantes Aaron Glenane e Mayen Mehta tenham entendido que o barato ali era estereotipar a zorra toda. Mocinhos e vilões desse tipo de produção são muito mais estereótipos do que seres dotados de qualquer humanidade, então a saída é abraçar o horror. Elsa Pataky, a mocinha protagonista, infelizmente é responsável por parte considerável de seus defeitos, por fazer exatamente o oposto do que os outros. Sua postura é a mesma que heróis de 40 anos atrás deveriam encarar seus ‘Braddocks’ da vida, com muita adrenalina, músculos e alguma lagriminha em determinado momento, pra mostrar fragilidade. Infelizmente não funciona quase nunca todo seu esforço, ainda que se saia bem como massa bruta de filme propagandista de belicismos. Ao olhar sob esse prisma, o filme não sobrevive para muito mais do que o seu tio no domingo depois da macarronada. 

Interceptor
Brook Rushton/Netflix

‘Interceptor’ é um produto onde facilmente se percebe que a massa desandou, mas cujo resultado na boca não soe exatamente ruim. É uma bagunça de intenções, sem dúvidas, parece que tudo aconteceu aleatoriamente e cada um recebeu uma orientação diferente no set, correndo para lados diversos e a receita pronta pareça um bolo de diversos autores. Seu co-roteirista, Stuart Beattie, é um exímio profissional da área, e parece caber a ele toda vez que uma piada acontece e dá certo – são muitas, e embora descalibradas e não exatamente provocarem gargalhadas, dá uma equilibrada nas texturas do filme. Quando o filme aposta no viés político, soa desarrumado, mas a mensagem é passada, talvez porque Bracey acredite em tudo que diz. 

Como diretor, o moço Reilly deveria voltar para sua amada Austrália e escrever novos romances de sucesso. Nos melhores momentos, o filme é burocrático, com cenas de ação que revelam pouco de seus personagens e suas especialidades – a pergunta é: porque diabos aparece um oriental lutador do nada no miolo do filme? Representatividade no Oriente, apenas? Ao contrário do bolo indigesto que aparenta ser de saída, ‘Interceptor’ encontra um trilho torto lá pelas tantas e segue de maneira muito estranha e pouco desenvolta até o final. Entre mortos e feridos, salvam-se poucos, mas a audiência da Netflix já conferiu coisas muito mais amorfas que esse novo produto. 

Um grande momento
O fim do Castor, verdadeiramente empolgante 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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