Crítica | FestivalMostra SP

Interrupção

(Interruption, GRE/FRA/CRO/ITA/BIH, 2016
Suspense
Direção: Yorgos Zois
Elenco: Alexandros Vardaxoglou, Maria Kallimani, Alexia Kaltsiki, Christos Stergioglou, Maria Filini, Vasilis Andreou, Natassa Brouzioti, Labros Filippou, Nikos Flessas
Roteiro: Yorgos Zois
Duração: 109 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Em cartelas pretas, lê-se o resumo da história de Orestes, filho do rei Agamenon que se auto-exila depois que sua mãe, Clitemnestra, e o amante dela, Egisto, matam seu pai. Já cientes da história, os espectadores de Interrupção vão acompanhar sua encenação por uma companhia teatral. Modernizado, o mito de Orestes chega ao espectador no escuro. Lâmpadas fluorescentes são manuseadas pelos próprios atores em cena.

Aos poucos revelam-se Clitemnestra e Egisto, que, com suas luzes, expõem a traição de Agamenon e o matam. O cenário moderno da peça combina com o revólver que mata o rei.

Em seguida, extrapolando a primeira encenação, acontece a interrupção do filme. Outra, já que na peça original, Orestes também se apresenta depois do exílio desculpando-se pela interrupção. Com a entrada daquele homem, que diz ter dançado a madrugada inteira com uma mulher, e do anunciado coro, todo armado, a tensão estabelece-se no ambiente.

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Os atores da peça estão presos dentro de um cubo de vidro e os espectadores que sobem ao palco não sabem muito bem o que está acontecendo. A profecia de que “todos pagarão” do texto original ecoa ainda sem muito sentido. A estranheza é geral e alcança eficientemente o espectador, aumentando a cada novo movimento.

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Electra, ou sua atriz, cercada pelo público que atua e incomodada por se encontrar fora de sua definição indica que algo está muito fora do normal. Algo que o público não parece desconfiar existir. É interessante o espectador de fora da tela ter uma percepção que é contrária à do espectador de dentro da tela.

Baseado nessa incerteza, o filme se constrói de forma interessante. A história foi criada pelo diretor Yorgos Zois, que imaginou como se sentiram as pessoas que estavam dentro do teatro russo de Dubrovka, invadido, no meio de um espetáculo, por um grupo extremista checheno. A inspiração, porém, está no evento e não necessariamente segue os acontecimentos integralmente.

Entre os diálogos provocados por aquele que interrompe, o mais interessante é o da análise do mito. Os participantes devem decidir se Orestes mata ou não a mãe. Para eles, a mitologia transcende os fatores da nossa realidade. O que se faz, não é exatamente o que se precisa fazer, mas o que se deve fazer por um motivo maior do que a satisfação individual. Esse exame da mitologia, justamente por aqueles que a criaram, lá no início da civilização ocidental, é curioso.

Mas esgotada a questão, o filme ainda traz outras coisas interessantes. O recontar a tragédia, de uma terceira maneira – já que isso já esteve presente nas cartelas e começou a ser encenado pelos atores – é uma delas. O modo como o público externo tem acesso a essa reencenação, através da câmera de palco, de monitores de segurança, de uma televisão no saguão ou de auto-falantes, é outra.

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Porém, o filme acaba tornando-se repetitivo e não consegue gerar uma expectativa de desfecho. Vai-se acompanhando para se ver onde chega, mas sem o interesse necessário. A direção de Zois insiste em efeitos sonoros e em algumas passagens que pouco acrescentam à trama.

Nem mesmo quando anuncia-se uma solução para a ausência de final, chamando em alto e bom som o deus ex-machina, o que seria uma boa ideia, o interesse retorna. Saltam aos olhos os espaços entre os acontecimentos e o tempo começa a se arrastar.

Mas Interrupção não deixa de ser interessante pelas dubiedades que provoca, pelo interessante jogo entre a manipulação da plateia, que acredita (não acreditando) naquilo que se mostra e no próprio ator, que pode ser manipulado pela crença do externo. E, claro, por falar da mitologia do jeito que fala.

Um Grande Momento:
“Sometimes I feel like a motherless child”.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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