Crítica | Cinema

John Wick: Baba Yaga

(John Wick: Chapter 4, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Chad Stahelski
  • Roteiro: Shay Hatten, Michael Finch
  • Elenco: Keanu Reeves, Donnie Yen, Bill Skarsgård, Laurence Fishburne, Hiroyuki Sanada, Shamier Anderson, Lance Reddick, Rina Sawayama, Scott Adkins, Clancy Brown, Ian McShane, Marko Zazor, Natalia Tena
  • Duração: 169 minutos

Diga a todos eles, a quem quer que venha, a quem quer que seja… eu vou matar todos

John Wick

Há quase 10 anos surgia no cinema uma figura que mudaria o nosso modo de olhar para um cansado e repetitivo cinema de ação. Direto da mente de Derek Kolstad e pelas mãos de Chad Stahelski, lá com a ajuda de David Leitch, surgia John Wick. Carregado na adrenalina, o filme, ainda modesto para o gênero, trazia tanto a intenção de uma simbologia mitológica elaborada quanto o sentir do cinema em suas mais variadas formas. Ali estava a estética de quem conhece profundamente aquela arte e a admira, além da velocidade e a agitação de quem trabalha com ela quando seu ritmo precisa ser o mais técnico e corporalmente insano. A experiência de anos na coordenação de dublês e a paixão pelo cinema, do western ao kung fu, do thriller ao noir, impressionou e o filme ficou maior do que ele mesmo, virando uma rentável franquia.

John Wick: Baba Yaga
Divulgação

À medida que o orçamento aumentava, Kolstad melhor elaborava as relações e associações do seu universo, embora não assine o último filme; e Stahelski arrumava novas maneiras de impressionar com suas referências e citações, alternâncias de sons, cores, luzes, locações impressionantes, movimentos de câmera, elementos cênicos, e muitas coreografias de lutas de tirar o fôlego. Se cada capítulo da saga de Wick se aproveitou bem da tradição, com carros, multidão e corpo a corpo, também foi recheado por experimentações estéticas que juntavam a isso projeções, leds, espelhos, água e fogos de artifício. Tudo isso em um ritmo que nunca foi menos do que vertiginoso. E não é diferente com Baba Yaga, o quarto filme da série.

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Sustentando o erro de pesquisa lá do primeiro filme com a bruxa russa que virou bicho papão (e o Brasil ainda coloca no subtítulo) e o paradoxo do assassino mais cabuloso da história do cinema que deixou a aposentadoria por causa de um ladrãozinho mimado e dois capangas que o conseguiram dominar, John Wick 4 tem também o que seus antecessores tinham de melhor. As três horas de duração deliciam quem gosta de cinema trazendo à memória o que há de mais clássico do thriller de ação sem deixar de lado a vontade de criar novos momentos e, o mais importante, a habilidade em elaborar não só cada uma das muitas perseguições ou coreografias de luta, mas o tempo incontinente que marcou a franquia. O filme que encerra a jornada do herói é como um balé delirante, com seus movimentos bem encaixados e poucas pausas.

John Wick: Baba Yaga
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Se há, porém, elaboração em tudo aquilo que se vê – e sente – e se existe essa interessante construção de um universo próprio de cunho mitológico, a trama do filme, assim como a de seus antecessores, é menos do que básica. Por trás de tudo, há um homem que tenta se livrar da sentença de morte decretada desde que foi buscar vingança por roubarem seu carro e matarem sua cadelinha. Agora excomunicado, com a cabeça valendo uma fortuna e caçado no mundo todo, depois de alguns encontros randômicos, conexões bobas e até mesmo uma definição de nacionalidade forçada, ele encontra como principal rival o Marquês de Gramont, um esnobe que quer modernizar a Alta Cúpula.

Não que deixem de ser bons os personagens. O próprio Marquês, em uma atuação ótima de Bill Skarsgard, é uma delícia, e está bem acompanhado de figuras interessantes como Tracker (Shamier Anderson), Caine (Donnie Yen), Shimazu (Hiroyuki Sanada), Akira (Rina Sawayama) e até o controverso Killa (Scott Adkins), além daqueles que retornam para mais um filme, mas não há nada de profundo ligando realmente aquilo. O fato, porém, é que isso não importa. Seja pela conexão já estabelecida, pelo ritmo e pela habilidade em criar essa experiência imersiva, o quarto capítulo da saga supera os dois filmes anteriores e se coloca num lugar de distinção entre os títulos do gênero.

John Wick: Baba Yaga
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E é impossível falar da franquia sem falar daquele que defende esse papel com unhas, dentes e muito suor, Keanu Reeves. Contido e sisudo, mas aquele cara que se relaciona bem com todo mundo que não está prestes a ser sua próxima vítima, ele é peça fundamental na criação dessa entidade que virou John Wick com o passar do tempo e dos filmes. Aqui, ele trabalha muito bem o cansaço físico, o limite. Há mesmo um senso de despedida em John Wick 4 (que, conhecendo a indústria, dificilmente se concretizará). É como se o capítulo, além de todas as homenagens cinéfilas que presta, quisesse se lembrar do caminho que trilhou para chegar até aqui e, por isso, trouxesse de volta à tela recriações da escadaria em Roma, das lutas na pista de dança na Red Circle ou do antigo Mustang sem porta.

E é assim que, com as marcas que cunhou, com aquilo que tem de mais particular, John Wick chega ao seu desfecho. Com a habilidade em manipular a ação por quem sabe como ela pode ser aproveitada e apresentada, reverenciando o que veio antes e sem o menor pudor em experimentar e misturar tudo isso, John Wick 4: Baba Yaga cumpre bem o seu papel.

Um grande momento
Vendo de cima as balas que explodem

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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