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Lansky: Uma História da Máfia

Crime organizado

(Lansky, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Eytan Rockaway
  • Roteiro: Eytan Rockaway, Robert Rockaway
  • Elenco: Harvey Keitel, Sam Worthington, John Magaro, Minka Kelly, David James Elliott, AnnaSophia Robb, David Cade, Shane McRae, Danny A. Abeckaser, Dodge Prince, Jay Giannone, Robert Walker Branchaud
  • Duração: 119 minutos

Por melhores que sejam as intenções ao se começar uma adaptação literária, ou uma biografia cinematográfica, raramente existem os casos onde tudo chega a um resultado elevado, qualitativamente. Existem muitas obrigações a cumprir, muitas personalidades a radiografar, muitos tempos para cobrir… e resumos desses dados geralmente levam a generalizações, o que exatamente faz com que suas particularidades desapareçam. Em Lansky: Uma História de Máfia, isso fica claro – estamos falando de 70 anos de uma vida, que não foi qualquer uma. Meyer Lansky foi um dos mais notórios líderes mafiosos durante boa parte de sua vida, e entrou para a História, ainda que por meios criminosos. Por ele, passaram “Lucky” Luciano, “Bugsy” Siegel, e tantos outros; o trabalho de resumir todos esses nomes seria inglório de verdade. 

Atrás da empreitada, está Eytan Rockaway, o filho do personagem principal de seu filme. Seu pai foi o verdadeiro biógrafo da vida de Lansky, e acabou por se transformar em uma figura fictícia aqui, David Stone. A autoria do roteiro Eytan dividiu com o irmão, Robert, e ambos se valem dessa proximidade para tentar enlaçar o enredo de maneira menos episódica. Acabam por privilegiar o retrato do pai, um professor comum transformado em escritor e que deu um salto após o lançamento do livro. Como sua vida é condensada durante o período das entrevistas que realizou com o mafioso, a proposta de observar esse homem é muito melhor sucedida. Um homem falho, que não conseguiu o mínimo para sustentar a família e acabou se jogando em uma empreitada quase suicida, para evoluir como profissional e sair de um comboio e dívidas. 

Lansky - Uma História da Máfia
Vertical Entertainment

O tanto que os irmãos Rockaway conseguiram equilibrar os erros e as fragilidades de seu pai, das escolhas erradas que ele perseguiu e do próprio envolvimento dele com a CIA através do seu contato com Lansky, foi o tanto que deixaram a fascinante história do contador da máfia resumida. E resumida é a pior palavra que podemos utilizar para diagnosticar um trabalho biográfico, que pretende descrever uma época. No primeiro encontro entre os personagens, Stone diz que a saga de Lansky, para ele, seria como a História do Século XX. Pois deixar essa fala no filme, sabendo o que ele iria mostrar e deixar de mostrar, já se converge em erro, porque o filme jamais deixa essa aura mítica chegar até ele, através de suas próprias escolhas. 

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Aqui e ali, o diretor Rockaway tenta imprimir em seu longa de estreia uma textura menos engessada, mais condizente com o tamanho do mito que ele se ocupa, enquanto autor. É uma cena magnética, com a própria sombra do personagem indo e vindo de uma reunião decisiva para a cúpula do crime do qual faz parte, e que revela o pior dos seus pares, e o melhor de si mesmo. Essa cena vai refletir diretamente no último encontro entre os protagonistas, quando ele dá uma aula de gratidão e de cumplicidade – a real, e não aquela vendida bem baratinho nas redes sociais. Com esses momentos e alguns outros, Lansky consegue vislumbrar o tamanho que poderia ter, o tamanho da projeção dos atos daqueles homens condenados poderiam refletir no futuro uns dos outros. E as cenas íntimas, familiares de seus protagonistas, constantemente distantes, exercem o brilho que o filme não consegue traduzir durante todo o tempo.

Lansky - Uma História da Máfia
Vertical Entertainment

No elenco, o filme parece se resumir a três nomes: Sam Worthington e os dois Lanskys, Harvey Keitel e o inacreditável John Magaro. O primeiro, raras vezes esteve melhor, mas também quase nunca foi potencializado; demonstra aqui um talento cuja exploração nunca tinha revelado o que vemos. Já o caso de Keitel é o oposto: um dos maiores atores do nosso tempo, já o vimos tantas vezes brilhando, que aqui, se ele impressiona menos, é porque já o fez antes por tantas vezes. Mas é Magaro, o protagonista de First Cow, que nos deixa hipnotizados, com vontade de assistir exclusivamente a juventude desse homem que foi maior do que sua própria vida. O ator, que deixa uma marca forte desde seu encontro com Kelly Reichardt, volta a provar que estamos certos de não esquecer seu nome tão cedo. 

Infelizmente, o elenco não é suficiente para fazer de Lansky um filme que vá muito além do mediano, mas seus pontos específicos talvez chamem a atenção. Tudo o que Meyer Lansky foi em vida, a grandiosidade do que viveu, a marca que imprime nos flashbacks narrados por Keitel desde a infância com os jogos de dados, até a altura que alcançou em sua jornada criminosa, seus códigos de conduta mutáveis, são tão maiores do que é alcançado pelo filme, que nos turva a visão. Para que o espectador saia da produção convencido de se tratar de um grande momento do cinema, é mais uma prova do lugar que chegou o personagem, e de como sua vida foi imensa, ainda que aqui tenha ficado no resumo. 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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