Crítica | Streaming e VoD

Lindinhas

(Mignonnes, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Maïmouna Doucouré
  • Roteiro: Maïmouna Doucouré
  • Elenco: Fathia Youssouf, Médina El Aidi-Azouni, Esther Gohourou, Ilanah Cami-Goursolas, Myriam Hamma, Maïmouna Gueye, Mbissine Thérèse Diop
  • Duração: 96 minutos

A maior bola fora da Netflix nos últimos tempos foi a campanha de divulgação de Lindinhas. O filme, que ganhou o prêmio de melhor direção em Sundance e esteve na Mostra Geração da Berlinale, é uma crítica ferrenha à superexposição pela qual passam todas as crianças e à erotização precoce. O que o canal de streaming faz? Toda uma campanha de marketing exaltando essa erotização, vendendo exatamente o que o próprio filme condena.

A diretora franco-senegalesa Maïmouna Doucouré, que também assina o roteiro do longa, constrói sua trama em torno da angústia de Amy, uma pré-adolescente que não quer estar no lugar onde se encontra e enxerga na quebra dos padrões tradicionais de sua família um meio de fugir. A imagem da independência chega para ela em um sem número de vídeos que exaltam a sexualidade, algo que ainda não entende muito bem, mas quer repetir.

Lindinhas (2020)

O start para esse novo lado da vida vem ao conhecer uma vizinha que, na maior parte do tempo longe dos pais, tenta imprimir uma maturidade que está longe de ter. É positivo perceber que, mesmo que toque na questão da ausência, não há uma afirmação desta condição como determinante para o comportamento, já que o filme faz questão de demonstrar relações familiares diversas, como as de Yasmine e da própria Amy.

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O interesse de Lindinhas está em explorar um universo de inadequação criado justamente pelo consumo, pelo acesso facilitado a qualquer tipo de conteúdo. O grupo de garotas não tem nada de diferente da idade: querem ser admiradas, famosas e chamar a atenção dos garotos bonitos da escola. O problema é que, para isso, acham que precisam se enquadrar a uma realidade deturpada por suas personalidades ainda em afirmação.

Lindinhas (2020)

O teor sexual do longa, embora não haja sexo, é perturbador. Ver aquelas meninas repetir movimentos das musas do pop, como se adultas fossem é de embrulhar o estômago. My Anaconda don’t. Mas o mais incômodo é ver como as pessoas reagem com naturalidade, as meninas dançando e o público aplaudindo, achando graça, incentivando.

Vai com o bum bum tam tam.

Ainda pior do que a naturalização, há toda uma pavorosa percepção do desejo, muito bem pontuada em duas passagens específicas, na boate e na plateia do show. Não é fácil de ver, não é fácil realizar que são muitas as lindinhas por aí. São só meninas, que passam por seus problemas e enxergam alguma possibilidade de afirmação em mulheres que reforçam o papel objetificado tendo como pano de fundo o poder sobre o próprio corpo. Lindinhas não se aprofunda neste debate, se atém à questão do modelo e do acesso a qualquer conteúdo.

Vou requebrar, vou requebrar
e todo mundo vai olhar
.

Lindinhas (2020)

Doucouré é muito específica ao mostrar o seu ponto, chega até a ser didática. A explicação ultra detalhada está na cena final, algo que cinematograficamente poderia ser encarado como um defeito, mas vem depois de tanta coisa ruim que traz um alívio necessário. Resta saber se as pessoas vão captar a mensagem. A Netflix não conseguiu.

Um grande momento
“Deixa minha filha.”

Ver “Lindinhas” na Netflix

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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