Série em Cenas

A Melhor Irmã

(The Better Sister, EUA, 2025)
  • Gênero: Drama
  • Criador: Olivia Milch
  • Canal: Prime Video
  • Elenco: Jessica Biel, Elizabeth Banks, Corey Stoll, Kim Dickens, Maxwell Acee Donovan, Bobby Naderi, Gabriel Sloyer, Matthew Modine, Lorraine Toussaint, Gloria Reuben
  • Duração: 60 minutos

Há algo inquietante em A Melhor Irmã desde o começo. Não é apenas a fusão incerta de thriller doméstico, drama familiar e investigação emocional que sustenta a série da Amazon Prime Video, mas a forma como ela insiste em expor a maquinaria afetiva entre duas mulheres que cresceram acreditando que o lugar de cada uma estava destinado desde cedo e que o afeto, quando marcado pela mágoa e pela competição, produz feridas que cicatrizam por fora e infeccionam por dentro. Embora dê atenção ao plot, a história parece menos interessada em desvendar o crime do começo e mais em abrir brechas, provocando o desconforto particular que surge quando relações íntimas são revisitadas com o distanciamento cruel do tempo.

O que move a narrativa é o atrito. A série se apoia no contraste entre gestos pequenos, lembranças perdidas e ressentimentos que atravessam o corpo de cada personagem, tornando cada reencontro uma ameaça. Há um cuidado formal no modo como as duas irmãs são enquadradas, criando quase um jogo de espelhos defeituosos que devolvem versões distorcidas da mesma história. Esse jogo é essencial para entender que o que A Melhor Irmã quer fazer é escavar camadas até chegar às inevitáveis contradições que sustentam qualquer relação marcada por hierarquias invisíveis.

A direção prefere sugerir. A câmera oscila entre uma proximidade quase áspera e uma distância que expõe o desconforto. O silêncio é trabalhado como um espaço de acusação, e também de memória, deixando que cada pausa carregue significados que as personagens não conseguem articular. É nesse movimento que surge o gesto mais interessante: revelar como a intimidade não se perde, mesmo quando deformada por anos de mágoas, escolhas mal resolvidas e expectativas domésticas que moldam mulheres de maneiras desiguais.

Há uma conotação política, porque a estrutura familiar em A Melhor Irmã é o microcosmo de um sistema que historicamente cobra das mulheres posturas específicas e restringe a elas papéis rígidos, criando antagonismos que não nasceram dentro da casa, mas que a casa reproduz com eficiência. A série parece consciente disso e opera sem neutralidade, fazendo com que cada revelação toque diretamente em como o mundo espera que elas performem força, culpa, sacrifício, perdão e maternidade.

As atuações sustentam esse terreno instável. A força das atuações de Jessica Biel e Elizabeth Banks está justamente na oscilação, na dificuldade de manter uma máscara por muito tempo, no modo como os olhares expõem mais do que os diálogos dizem. Existe uma vibração tensa que se instala entre elas, ora alimentada por afeto mal resolvido, ora corroída por segredos que nunca desapareceram completamente. Esse jogo traz complexidade à série, oferecendo ao público não respostas, mas camadas a serem atravessadas.

No fundo, A Melhor Irmã é sobre a impossibilidade de apagar o passado. A série usa o crime como mecanismo narrativo, mas o que realmente importa é o que escapa dele, aquilo que resiste a investigações, que permanece nos gestos e nas repetições familiares que insistimos em carregar. Quando chega ao fim, ela não fecha o círculo; ela abre uma fresta, deixando a impressão de que nenhuma relação profundamente marcada por amor e disputa pode ser compreendida sem aceitar que ambas as forças caminham juntas, sempre.

A série está disponível no Prime Video.

Melhor episódio
T01E06: Steadying Hand

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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