Críticas

Maria e João – O Conto das Bruxas

(Gretel & Hansel, CAN/IRL/EUA/RSA, 2020)
Horror
Direção: Oz Perkins
Elenco: Sophia Lillis, Samuel Leakey, Charles Babalola, Alice Krige, Jessica De Gouw, Beatrix Perkins
Roteiro: Rob Hayes
Duração: 87 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

O ator Oz Perkins, que assina suas direções como Osgood Perkins, tem um inegável tino para o horror. Com uma boa percepção espacial, visual instigante e competente noção de ritmo, estabelece a tensão e o estranhamento para o gênero seja em que época ou ambiente resolva trabalhar. Em Maria e João – O Conto das Bruxas faz um trabalho curioso ao retornar ao princípio dos contos de fadas, ou das bruxas, como diz o subtítulo em português.

Originalmente, muito antes de Hans Christian Andersen, irmãos Grimm ou até mesmo, mas menos, Charles Perrault amenizarem as histórias ao transcrevê-las, para tornarem-nas mais palatáveis, não havia preocupação com o choque. Os contos de fadas ou fantásticos nem sempre tinham finais felizes e contavam com muitos detalhes tristes e sanguinolentos. Seu objetivo estava muito mais ligado ao medo do que a qualquer outro sentimento. As filhas da madrasta de Cinderela, por exemplo, cortam os dedos e o calcanhar para que seus pés caibam no sapato de cristal; Chapeuzinho Vermelho come a carne da própria avó e é devorada pelo lobo, entre outros exemplos. Nada nem perto das versões popularizadas pela Disney.

Maria e João – O Conto das Bruxas faz o resgate dessa origem, em um filme sombrio, onde o que predomina é o medo e o assustador. Em uma história que busca elementos clássicos de outras tantas fábulas, como a própria floresta, o caçador, os seres assombrados e os lobos traiçoeiros, consegue criar suas próprias subversões. Primeiro por tomar a estrutura clássica de João e Maria em seu conto de união e amadurecimento e dar a ele uma forma feminina, que vai além da inversão do nome e está também no transformar-se de uma mulher.

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Porém, neste ponto, é preciso falar que, embora haja uma boa intenção, e embora seja notória a atenção que Perkins dá ao feminino em seu trabalho, vide seus longas anteriores, A Enviada do Mal e O Último Capítulo, há problemas no modo como elas são retratadas. Aqui, como mães descompensadas, amarguradas, que não se conformam por não terem mais seus homens, mas sigamos.

Ainda falando sobre a subversão, há uma abordagem interessante quanto à própria constituição da história. Em como o passar do tempo influencia as alterações sofridas pelos contos, em como eles nunca estão imunes às mudanças que seus narradores querem que eles tenham. Isso está dito no próprio filme, quando o conto dentro do conto – o da menina do capuz rosa – é recontado da maneira original, mas serve para toda uma vida de histórias recontadas há anos de maneira muito diferente da original, inclusive esta de agora.

Além de toda a habilidade com o horror, o resgate da origem e a subversão do gênero, Maria e João – Um Conto das Bruxas tem outra coisa a seu favor: trabalha com um ambiente e personagens muito familiares. Embora diferentes, e com muitas modificações, há séculos se escuta aquela história e se conhece aquelas duas crianças. Há um conforto no reencontro do conhecido que funciona até em gêneros como o terror.

Tem, sem dúvida, inegáveis problemas de representação; se repete em flashbacks e exagera no off, mas faz um trabalho tão interessante enquanto experimento de gênero cinematográfico e resgate narrativo que vale a tentativa.

Um Grande Momento:
Soltando João.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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