Crítica | CinemaDestaque

O Primeiro Dia da Minha Vida

Dor fantástica

(Il primo giorno della mia vita, ITA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Paolo Genovese
  • Roteiro: Paolo Genovese, Isabella Aguilar, Paolo Costella
  • Elenco: Toni Servillo, Valerio Mastandrea, Marguerita Buy, Sara Serraiocco, Gabrielle Cristini, Vittoria Puccini
  • Duração: 115 minutos

Paolo Genovese possui um título na carreira que nenhum outro cineasta tem: ele é o responsável pelo filme que rendeu a maior quantidade de remakes na História do Cinema – são 24 versões em apenas 8 anos. Perfeitos Desconhecidos (só a Netflix produziu umas 5 delas) é um fenômeno com o qual esse diretor italiano precisará lidar pela vida afora, mas também talvez seja graças a ele que seu nome nunca perca a relevância para seu cinema. Essa semana ele estreia O Primeiro Dia da Minha Vida, comédia dramática com colheres de fantasia que pode ser uma excelente surpresa, dependendo do lado por onde se olhe. De qualquer maneira, o filme é uma demonstração de criatividade de um diretor com mais de 20 anos de carreira, aqui adentrando uma seara filosófica até tradicional de seu país. 

Tem um sabor não-identificado que o filme fornece ao espectador aos poucos, com uma narrativa incomum sobre um grupo de pessoas em uma situação absurda fantástica, que O Primeiro Dia da Minha Vida não se apressa em responder. Na verdade, enquanto mantém o espectador longe da clareza, o filme evolui tão bem que nos pegamos pensando em porque tais motivações precisariam vir mais à tona do que já se apresentam. Rodando por um hotel onde nada funciona, em uma cidade que não os percebe, os protagonistas aqui só tem uma saída para os próximos sete dias: analisar seu último feito, e tentar entender o que os levou até ali. Uma mistura de purgatório com sala de espera da própria consciência, Genovese propõe uma reflexão sobre o ato final que imputamos à vida. 

Temos um homem adulto, uma mulher que perdeu a filha, uma jovem ginasta que se tornou cadeirante após um acidente e uma criança youtuber depressiva. Em comum, paira sobre eles a realização do suicídio. O Primeiro Dia da Minha Vida tem uma maneira mais eficaz de tratar o assunto, não a partir de uma denúncia sobre a possibilidade que precisa ser coibida, mas a partir do olhar de quem já ministrou o evento em si e agora lida com as consequências. Como estamos falando de uma narrativa de contornos além da imaginação, em uma produção que tem interesse pela resposta popular, nem o imutável é para sempre. O que poderia então ser uma abordagem adulta sobre o tema, embora inadvertidamente pesada, não pode afastar o público, com isso trazendo uma leveza e uma possibilidade que nenhum de nós terá. 

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O filme é baseado em um romance do próprio Genovese, então ninguém melhor que ele mesmo para adaptar sua obra. É provável, nesse sentido, que o filme tenha criado elipses que já estavam impressas na obra original, e que contribuem para o melhor estado possível de sua narrativa. Os encontros entre o Homem e a Mulher, por exemplo; personagens de Toni Servillo e Vittoria Puccini, nós não identificamos muito qual é a sua denominação oficial naquele quadro apresentado, Mas os diálogos entre eles são os melhores momentos de O Primeiro Dia da Minha Vida, porque eles mantém uma linha proposital desconhecida sobre os eventos que se acumulam. Nas cenas entre si, o filme se encarrega de manter uma doce frieza entre seus personagens, o que alimenta nossa confusão acerca do que vemos. 

Quando O Primeiro Dia da Minha Vida começa a costurar suas pontas, e mostrar o que pode ser a construção do todo, o resultado é bifurcado. Por um lado, o painel fica completo e o filme não soa despropositado; por outro, a situação real é bem menos complexa, e até bastante hollywoodiana. O filme que é pintado inicialmente, sombrio e melancólico, dá lugar ao que Genovese tinha de mais óbvio para contar. Somos então posicionados dentro desse combo suficientemente inteligente para que o filme mostre seu sabor, mas sem avançar demais por uma zona hermética, mesmo que isso nem fosse sua intenção. Para algo tão forte como o suicídio, acho que soa bucólico demais, quase como se Charles Dickens faria se fosse um pouquinho amargo – e voltasse a ser Dickens. 

É uma encenação bonita e cheia de símbolos, a ambientação do hotel é muito ampla e espaçosa em demasia, quase como se dissesse que há material de sobra para lidar. Genovese, mesmo em sua obviedade, acerta ao clarear seu filme gradativamente, tão logo suas dúvidas se dissipem; era o certo a ser feito, recuar a escuridão da noite e a chuva torrencial por raios de sol. É uma escolha correta feita para ornar com sua produção tão humana sobre novas chances, e o eterno livre arbítrio. Ao lado do eternamente talentoso Servillo, o elenco inteiro brilha, mas a experiência de Valerio Mastandrea (de Belos Sonhos e Pasolini) e Marguerita Buy (de O Melhor está por Vir e Tre Piani) saltam aos olhos como um diferencial. O talento coletivo dos seus intérpretes eleva a produção a um lugar onde o afeto não é o único resultado emocional, quando olhamos para cada um deles. 

Um grande momento

Homem e Mulher conversam pela primeira vez 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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