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Ervas Secas

Comunicação completa

(Kuru Otlar Üstüne, TUR, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Nuri Bilge Ceylan
  • Roteiro: Nuri Bilge Ceylan, Ebru Ceylan, Akin Aksu
  • Elenco: Deniz Celiloglu, Merve Dizdar, Musab Ekici, Ece Bagci, Erdem Senocak, Yüksel Aksu
  • Duração: 215 minutos

Nuri Bilge Ceylan é um cineasta que costuma tratar a perspectiva como o arranjo que perpassa o tema central de seus filmes. Não é diferente em Ervas Secas, que está em cartaz na Mostra SP 2023 e ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes esse ano para Merve Dizdar. O que é novo em sua filmografia é a maneira como o cineasta encara de frente questões sexuais em sua obra, que ampliam a maneira como ele amplia as discussões em seus filmes. Para um cineasta turco, cuja liberdade é muito mais relativa que a de um diretor europeu ou de alguma das Américas, muito mais aproximados do tema. E Ceylan faz mais, ao colocar o feminismo enquadrado de frente em mais uma parábola acerca das desgastadas relações humanas. 

O interessante observar é que o cineasta que já nos entregou obras primas como Winter Sleep e Era uma Vez na Anatólia aqui chega a um nível de comunicação popular que anteriormente ainda não havia sequer testado. Sim, tem também a ver com a temática que foi colocada sobre a mesa, mas ainda que a forma se aproxime muito do que ele já fez, sua ideia de apresentação espacial e a forma como tais diálogos são desenvolvidos tem uma texturização coloquial que o cineasta ainda não havia se dedicado. As discussões em Ervas Secas não giram em torno de reflexões filosóficas como as que se enquadram seus longas anteriores. Quando essa cena chega, dessa vez, e os protagonistas encontram a habilidade necessária para expor suas visões de mundo, o longa já costurou as relações entre todos em cena, promovendo mais entendimento sobre o que é dito – e que diz muito mais sobre eles do que sobre o mundo debatido.

Assim como o roteiro, também a realização de Ceylan submeteu-se a uma necessária recodificação de planos. A aridez de sua terra parece estar especificamente tratada no título, já que o filme nos guarda mais aproximação geográfica como não antes foi feito. Sua mise-en-scene sempre pretendeu ter descobertas visuais em meio a tempos mortos alongados, e dilatações de sua atmosfera eram sempre uma utilização frequente. Ervas Secas propõe um outro olhar de seu cineasta sobre não apenas as relações que ele estabelece, mas mesmo sobre o que é observado delas. Suas motivações de perspectiva, afinal, perpassam justamente a proximidade e as delimitações que o afastamento provocam são justamente um dos dados que reforçam as implicações da narrativa, logo essa mudança também é um ajuste de sua intencionalidade de roteiro.

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Essa corporificação do cinema de Ceylan é uma espécie de abertura de sua busca por entendimento constante, da milimétrica responsabilidade contida em suas narrativas por uma dissecação do que há de mais humano nas verdades de seus personagens. Quando seu cinema explora mais esse afastamento do toque e do olhar, é por estar contido nessa ideia toda uma provocação quanto ao que não é dito ou sentido, implícito em cada ação – ou inação. A chegada de um pensamento sobre a empatia e o contato direto oxigena sua filmografia e coloca Ervas Secas em lugar de destaque na mesma, por enfim seu cineasta procurar o contato como forma de amplificar justamente o espaçamento que é sua vertente. É do movimento contrário a individualização que nasce não apenas a ideia do filme, mas também a de reafirmar o que ele desenvolveu enquanto autor. 

Essa aproximação do qual Ervas Secas trata, passa por questões de gênero, sexuais, e uma acusação de assédio que movimenta toda a produção. Isso não é apenas um tema acessível e que está na pauta atual de qualquer discussão, como se aproxima de um olhar público superior ao que os muitos embates filosóficos que o cineasta tratava anteriormente. Isso sem perder as qualidades imprescindíveis ao cineasta, que incluem os excelentes diálogos vindos de seu escriba, e sua capacidade de descobrir atores em plena confluência de postura com o que ele pede. O filme avança de maneira contínua, e mesmo em duração que excede as três horas, nada parece esgarçado; talvez estejamos, pela primeira vez, diante de uma obra do diretor onde a duração sirva exclusivamente ao que é exigido pela narrativa, do início ao fim, sem esgarçamento – ainda que os mesmos sejam sempre úteis. 

O que parece trivial em seus muitos embates, revela-se de proporção imediata ao que está sendo construído. Esse olhar mais experimentado na direção de sua obra nos permite acompanhar o desenvolvimento de um novo tópico, mesmo que isso parta de um aparente lugar nenhum. Talvez venha dessas muitas colocações essa impressão de uma maturidade estética e emocional de Nuri Bilge Ceylan em Ervas Secas, a certeza de que podemos angariar ainda mais propósito em nossos apontamentos se conseguirmos trazer mais integrantes a um debate. E com o grau de entendimento do que está sendo dito, incluindo uma personagem absolutamente feminista em lugar de protagonismo, e temos enfim um cinema vindo desse mestre da linguagem, mas com uma atração incontida para a comunicação generalizada. Seja bem-vindo a um novo tempo, Ceylan. 

Um grande momento

A visita final de Nuray

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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