Crítica | Streaming e VoD

Me Mate, Querido

O amor é para os ricos

(Zabij mnie, kochanie, POL , 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Filip Zylber
  • Roteiro: Murat Disłi
  • Elenco: Weronika Książkiewicz, Mateusz Banasiuk, Agnieszka Wiedlocha, Piotr Rogucki, Mikolaj Roznerski, Paulina Galazka, Miroslaw Baka
  • Duração: 90 minutos

A Netflix criou dentro de suas dependências polonesas, vejam só, um autor para chamar de seu. Seu nome é Filip Zylber e ele é responsável pela trilogia Amor², por A Megera Domada, por Desfile de Corações e com certeza ele não parará por aí. Seu mais novo título, Me Mate, Querido, acaba de estrear e deve ser um de seus produtos mais bem acabados. No caso dele, isso não quer dizer exatamente algo a se comemorar, mas se existe alguma evolução, por menor que seja, então é sinal de que exista a esperança de aprendizado em algum lugar. Afinal, esse é como os filmes anteriores, apenas uma produção ligeira feita para o passatempo da hora de almoço de alguém, que terminará a sessão com um sorriso no rosto, ao menos. 

Aqui, esse sorriso pode até encontrar um lugar amargo de debate, perfeito para que se desenrole ao longo da duração uma pegadinha sendo gestada embaixo do nosso nariz, e que poucos notarão a presença. Mas as entrelinhas pedem para serem lidas, e o filme não nega que elas existam aqui. Para isso, é bom embarcar não apenas no que está na parte superficial da narrativa, mas mergulhar no capitalismo destrutivo que Me Mate, Querido está radiografando. É um campo raso, porque o streaming não está sendo condicionado a produções com grandes metáforas sociais, e porque estamos diante de uma comédia onde o surreal não pede licença para dar as caras. Quando menos esperamos, temas indigestos passam a ser tratados com normalidade espantosa. 

O roteiro mostra um casal cuja rotina já invadiu cada fresta da relação que ganha uma fortuna em uma raspadinha. Em meio aos sonhos de grandeza e às necessidades de quitar suas dívidas, não demora para que ambos estejam desconfiados um do outro. Motivados por seus melhores amigos, Natalia e Piotr deixam o óbvio de lado (a tentativa da volta de um olhar terno mútuo) para sucumbirem a uma paranóia crescente de crime. Não há qualquer problema em desenvolver esse gatilho rápido, o problema aqui é que isso mal se desenha na tela graças a estratégias muito forçadas, que por mais que sejam a busca do filme, transformam Me Mate, Querido. Do que deveria nascer comédia, o que se mostra é uma injustificada caça a um tesouro que está ao alcance de todos.

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Nesse sentido, o desfecho do filme não deixa de ser mais do que irônico para funcionar como um puxão de orelha, para todos os envolvidos. Diferente do que o cinema costuma apresentar de visão maligna na direção do dinheiro, aqui ele não é nem considerado um elemento negativo e muito menos sua existência é tratada com desprezo. Em Me Mate, Querido, a ausência do capital pode sim provocar os maiores desvarios, mas isso parte essencialmente do Homem e de sua ganância inexplicável. Ainda que seu desfecho não seja exatamente inesperado ou original, ele é das poucas saídas coerentes em um projeto que parece sentir prazer em contradizer-se a cada novo bloco de cenas. A certa altura, não há mais como acreditar no desenrolar da ação, porque tudo pode acontecer e isso não é positivo. 

Portanto, ainda que motivado pela sua presença, o Homem em cena se deixa corromper até pela imagem do poder, mas isso é fruto mais de uma predisposição que do elemento cênico, vide o comportamento dos protagonistas, que não enverga com facilidade. Entre os protagonistas, Zylber volta a trabalhar com seu parceiro de Amor², Mateusz Banasiuk, que junto a Weronika Książkiewicz, apresenta um trabalho acima do esperado para uma produção de aparência simples. Mas para quem embarcar sem concessões em Me Mate, Querido, a dica é não perder de vista as conexões humanas e o que vai sendo espraiado ao longo do roteiro. É uma maneira sutil de mostrar a degradação humana que o filme não tem coragem de bancar até às últimas consequências, mas que fica na nossa imaginação como algo quase radical próximo ao seu desfecho. Isso traria ao filme uma reflexão que a Netflix provavelmente não está afim de se debruçar. 

PS: tem algo de surreal em uma produção produzida por mulher, com inúmeras mulheres encabeçando algumas áreas técnicas, mas ser e escrita e dirigida por homens…

Um grande momento

Agata e Lukasz comem as frutinhas

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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